Não teria sido outro senão o próprio autor das cartas quem desferira o golpe final. Teria sido difícil de imaginar lendo as primeiras missivas. As referências singelas à amizade, aos encontros casuais e suas indisfarsáveis alegrias, e aos primeiros encontros marcados regados a picolés, bancos de praça e roçar suave de mãos jamais apontariam para o desfecho trágico que se formou. O primeiro indício de que algo poderia estar escapando da normalidade foi o aumento do volume de escritos. As cartas iniciaram esporádicas. Tornaram-se mensais depois do primeiro e sutil toque de mãos. Mais ou menos quinzenais depois do primeiro afago nos cabelos. Semanais depois do pôr-do-sol abraçadinho. Enlouquecidamente diárias depois do primeiro beijo.
Já era suficientemente estranho a insistência no papel, já que as poucas respostas encontradas foram enviadas por email, e nenhum deles foi respondido pelo autor do golpe. Remeteu ao todo 256 cartas. Recebeu 6 emails fazendo referência à algumas delas. Nunca respondeu email nenhum. A 18ª carta foi acompanhada de um pequeno cisne de cristal. Todas as cartas seguintes referiram-se ao presente. Nenhuma das seis respostas por email falava no assunto.
A última carta foi entregue pessoalmente, encontrada perto da vítima que jazia ao lado do banco de praça que viu o primeiro toque das mãos, o primeiro afago, o primeiro beijo. Sentado no banco, impassível, olhos fixos no horizonte, o autor das cartas sorria por ter moído o cristal que se espalhava pelo chão enquanto a moça partia furiosa.
Me deu uma visão do meu relacionamento agora. Mas em vez da moça sair furiosa, saiu derramando uma lágrima.
ResponderExcluir