27 de fevereiro de 2012

Ousadia

Caiu lá no site da Ultimato, no link destinado à da Palavra do Leitor, um texto falando sobre a ousadia de escrever o livro Igreja Entre Aspas. O autor do texto discorre sobre as impressões que teve ao ler aquele volume. Nada tenho contra suas impressões, apesar de saber que não são as mesmas que outros leitores possam ter assimilado, ou venham a assimilar. Raoni, que escreveu o texto citado, conclui que a saída é sair. Ele termina seu comentário com algo que soa como um conclame para que os cristão afiliados à igrejas formais deixem de sê-lo, pelo bem deles mesmos e da igreja orgânica de Jesus. Outros, certamente, ao concluir o livro terão em seus lábios um conclame bastante diverso desse (e alguns já me confidenciaram isso). Há os que querem pular fora, os que já pularam, os que querem salvar aquilo que foi a duras penas construído, os que não sabem o que querem, os que estão de saco cheio e nada querem. Sinto profunda empatia por todos e posso afirmar que compartilho os desejos de cada um.

O que me incomodou no texto do Raoni, no entanto, não está relacionado com o conteúdo ou com a conclusão. Me senti incomodado pelo título. De tudo que se possa pensar sobre o livro que escrevi, de bom e de ruim, algo que me parece um franco e profundo engano, ainda que muito bem intencionado, é que seja ele fruto de uma ousadia. Esse título pressupõe coragem, tem ares de bravura nobre, de alguém que luta contra um gigante. Talvez seja exagero meu e isso não tenha passado nem perto da cabeça do Raoni, mas preciso esclarecer, nem que seja pra mim mesmo: não houve ousadia alguma da minha parte.

Escrevi o livro sentado em cadeira estofada, giratória, com rodinhas, apoio de braço e amortecedor pneumático. Tive por várias vezes em mãos uma cuia de tererê com limão ou um copo de nescau gelado. Nos dias quentes, um ventilador gostoso me refrescava. A janela dava de cara pra um matão lindo, de onde me alisava uma brisa fresca, e podia ver o pôr do sol atrás das belíssimas montanhas que separam os bairros Garcia e Velha. Escrevi invariavelmente por prazer, mesmo quando cansado e sonolento. Não houve em momento algum ato de bravura envolvido na produção do livro. Quando publicado eu já era, como descrito pelo Brabo no prefácio, um sujeito que não ia mais à "igreja" e, portanto, nada tinha a perder. Ningué poderia me demitir, não cairia nas mão de nenhum conselho, presbitério ou sinédrio, não seria chamado a nenhuma sala pastoral pra me explicar, não teria que deixar de dar aula na escola dominical... absolutamente nada haveria de me acontecer, como absolutamente nada me aconteceu.

Deixemos a virtude da ousadia repousar sobre os largos ombros de gente que a merece. Paulo de Tarso e suas chicotadas.  Lutero e seus bate-bocas. Madre Tereza e Gandhi. Os exilados políticos do regime militar. A irmã Dorothy e o Zé Castanha no Pará. As famílias do Pinheirinho. Aquele chinês louco e anônimo na Praça da Paz Celestial. Há, enfim, milhares de ousados espalhados por aí, levantando a voz e expondo o peito em nome da justiça, do amor, da igualdade. Não eu.

De qualquer forma Raoni, meu velho, fico feliz que tenha gostado do livro, e agradeço pelo texto.

4 comentários:

  1. Tuco,
    Teimo em comentar que a ousadia vista por Raoni é a mesma vista por mim (este que espera ainda apalpar um destes exemplares que foram tão deliciosamentes gerados).
    Ela esteve contigo quando você quis chorar e não chorou, pelo que presenciou, e também quando chorou. Quando cansado em dar murros em ponta de faca resolveu fazer sozinho. Talvez bem cedo quando ainda criança, certamente mais tarde quando jovem.
    Enfim não venha esconder o ouro, pois também nos tornamos homenzinhos capazes de discernir certas virtudes em varões de valor.

    Abraços fraternos

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  2. Blz Roger. Não vou negar sua capacidade de discernir :P

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  3. Tuco, ousadia teve o cara, meu, de escrever elogios ao teu livro pra Ultimato...

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  4. Verdade Rubinho. Essa foi a verdadeira ousadia.

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