Comíamos pouco nos dias que passamos na Nigéria. O dia todo era pão com manteiga e água, e um chazinho quente de manhã que, com duas colheres de abençoado leite em pó, era adoçado como nos filmes. Me sentia em Londres tomando chá com 2 pedrinhas de açúcar. Depois disso era aquela correria de um lado para outro, registrando o trabalho diário da ONG Caminho Nações na luta contra a estigmatização de crianças naquele país. Só à noite é que parávamos num restaurantezinho para a refeição mais apimentada que já vi na vida. Se duvída, repare no temperinho de pimenta jogado sobre o frango no final desse vídeo.
O pão e a manteiga vinham de um mercadinho minúsculo, todo bagunçado, iluminado à velas e lampiões à querosene, próximo de onde estávamos hospedados. Até que chegou o dia em que decidimos tentar uma compra maior e mais diversificada, em algum lugar que inspirasse mais confiança e lembrasse um supermercado aqui da nossa terra. Foi quando descobrimos que não havia nenhum. Que, onde estávamos, os suprimentos, sejam quais fossem, deveriam ser comprados em algum dos muitos e muitos mercadinhos minúsculos e bagunçados, iluminados à vela. Não havia nenhuma alternativa mais 'civilizada' e confesso, envergonhado, que quando descobri isso senti uma pontada de horror. Que fim de mundo era aquele sem um supermercado de verdade?
Só depois de algum tempo é que fui me dando conta do quanto, como diria minha avó, o hábito faz o monge. Estava eu ali, um brasileiro classe média, no delta do Níger, acostumado à toda sofisticação do mundo moderno (e, acredite, somos um país avançadíssimo, coisa chique mesmo, se comparado à Nigéria) resmungando inconformado com a ausência de um supermercado decente naquele canto da África Ocidental.
Eu queria o Big, o Wall Mart, o Carrefour. Queria uma multinacional se instalando por ali, levando todas as centenas de mercadinhos à falência e contratado a massa falida a preço de banana. Queria que o grupo Sonae entrasse devorando tudo, abocanhando famílias, aumentando seu lucro às custas dos produtores locais, desde que me oferecesse um lugar bonito, climatizado, espaçoso e organizado. Queria o progresso à qualquer custo.
É incrível como somos moldados pelo meio.
Quero que a Nigéria cresça. Tem muita miséria por lá. Quero, acima de tudo, que a estigmatização infantil acabe e que crianças tenham esperança num futuro melhor. Quero educação, trabalho, renda e saneamento básico por lá tanto quando aqui, ou no sertão do Pajeú. Mas torço para que as melhorias não engulam o povo oferecendo em troca a ilusão do conforto. Que ninguém mais, em lugar nenhum, troque ouro por espelho.
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Conheça o trabalho do Caminho Nações na Nigéria
Saiba como você, como eu, está aos poucos tornando-se um rato
O pão e a manteiga vinham de um mercadinho minúsculo, todo bagunçado, iluminado à velas e lampiões à querosene, próximo de onde estávamos hospedados. Até que chegou o dia em que decidimos tentar uma compra maior e mais diversificada, em algum lugar que inspirasse mais confiança e lembrasse um supermercado aqui da nossa terra. Foi quando descobrimos que não havia nenhum. Que, onde estávamos, os suprimentos, sejam quais fossem, deveriam ser comprados em algum dos muitos e muitos mercadinhos minúsculos e bagunçados, iluminados à vela. Não havia nenhuma alternativa mais 'civilizada' e confesso, envergonhado, que quando descobri isso senti uma pontada de horror. Que fim de mundo era aquele sem um supermercado de verdade?
Só depois de algum tempo é que fui me dando conta do quanto, como diria minha avó, o hábito faz o monge. Estava eu ali, um brasileiro classe média, no delta do Níger, acostumado à toda sofisticação do mundo moderno (e, acredite, somos um país avançadíssimo, coisa chique mesmo, se comparado à Nigéria) resmungando inconformado com a ausência de um supermercado decente naquele canto da África Ocidental.
Eu queria o Big, o Wall Mart, o Carrefour. Queria uma multinacional se instalando por ali, levando todas as centenas de mercadinhos à falência e contratado a massa falida a preço de banana. Queria que o grupo Sonae entrasse devorando tudo, abocanhando famílias, aumentando seu lucro às custas dos produtores locais, desde que me oferecesse um lugar bonito, climatizado, espaçoso e organizado. Queria o progresso à qualquer custo.
É incrível como somos moldados pelo meio.
Quero que a Nigéria cresça. Tem muita miséria por lá. Quero, acima de tudo, que a estigmatização infantil acabe e que crianças tenham esperança num futuro melhor. Quero educação, trabalho, renda e saneamento básico por lá tanto quando aqui, ou no sertão do Pajeú. Mas torço para que as melhorias não engulam o povo oferecendo em troca a ilusão do conforto. Que ninguém mais, em lugar nenhum, troque ouro por espelho.
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O problema nem é tanto o progresso, mas as desigualdades sociais geradas pelo sistema. Me parece que a situação por lá é tão crítica que seria preferível optar pela ilusão do conforto do que a realidade triste da miséria. Os nigerianos deveriam ter condições de frequentarem o Wallmart o Iguatemi e usufruírem algum benefícios da vida "civilizada". Mas ao invés disso, são obrigados a comer pão com manteiga todos os dias, isso é claro quando tem.. Só resta agora saber se é possível alcançar o progresso com justiça social. Vai saber!?
ResponderExcluirNegócio é mudar o conceito de o que seria de fato progresso e conforto. Nossa aspiração de progresso ainda é muito fundamentada no ideal americano - que é extravagante e, portanto, insustentável. Se nossa aspiração se apoiar mais no ideal classe média europeu - mais comedido, simples e sensato - já melhora um bocado.
ExcluirNo fim, acredito que só é possível progresso e qualidade de vida de fato se mudarmos completamente o ponto de vista e abrirmos mão das megaestruturas priorizando o pequeno comércio, o pequeno produtor... Bom, o assunto dá muito pano pra manga.
Valeu!