01.
Ia tudo bem com Zé Augusto, até o dia em que se percebeu no inferno. E não era uma metáfora. Nunca chegou a descobrir exatamente quando ou como chegou lá. Simplesmente acordou certa manhã confuso com algum sonho estranho do qual não podia lembrar-se, com a certeza de que estava no abismo, no hades, no sheol, no mundo dos mortos. Não havia fogo nem enxofre e quem visse de longe não notaria diferença entre lá e cá. Era nas sutilezas que o inferno evidenciava-se. Aquele tipo de sutileza que o passar dos dias torna insuportável, como uma goteira insistente ribombando na calha. Pode pingar por algumas horas, talvez até algumas noites, sem ser percebida, mas no momento em que se ouve o gotejar pela primeira vez, torna-se impossível deixar de percebê-lo, até que se saia furioso em plena madrugada, no inverno, na chuva e de pijama, para arrancar a calha se for preciso, antes de enlouquecer por completo. Mas o inferno não se pode arrancar.
Desde que se dera conta de onde estava, Zé Augusto passou a tentar lembrar-se de como havia chegado lá, mas sua memória tornara-se um labirinto confuso, sem nenhum sentido. Em pouco tempo tentar lembrar-se passou a ser um tormento maior do que assumir a incapacidade de fazê-lo. Decidiu abandonar esse esforço na esperança de que as lembranças retornassem naturalmente. Desistiu de encontrar os caminhos passados e concentrou-se nos futuros. Teria de haver uma maneira de sair dali, de abandonar o inferno e, ainda que não houvesse esperança de paraíso, atirar-se ao limbo, purgatório ou seja lá o que houvesse.
O engraçado era que mesmo no inferno parecia haver momentos de alegria. Jogos, piadas, brincadeiras e gargalhadas. Tinha gente por todo lado, e todos riam quase que o tempo todo. Mas no meio da multidão parecia não haver ninguém específico. Apesar de viver cercado de muita gente, não sabia o nome de ninguém, nem nada sobre a vida de quem quer que fosse e começava mesmo a duvidar que seu próprio nome fosse José Augusto. Resolveu escrevê-lo nas paredes de casa, enquanto ainda lhe restava alguma noção de identidade. Todo fim de tarde falava para si mesmo, insistentemente, até pegar no sono:
- José Augusto Heiss, é meu nome. José Augusto Heiss...
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Continua... No inferno | 02
Ia tudo bem com Zé Augusto, até o dia em que se percebeu no inferno. E não era uma metáfora. Nunca chegou a descobrir exatamente quando ou como chegou lá. Simplesmente acordou certa manhã confuso com algum sonho estranho do qual não podia lembrar-se, com a certeza de que estava no abismo, no hades, no sheol, no mundo dos mortos. Não havia fogo nem enxofre e quem visse de longe não notaria diferença entre lá e cá. Era nas sutilezas que o inferno evidenciava-se. Aquele tipo de sutileza que o passar dos dias torna insuportável, como uma goteira insistente ribombando na calha. Pode pingar por algumas horas, talvez até algumas noites, sem ser percebida, mas no momento em que se ouve o gotejar pela primeira vez, torna-se impossível deixar de percebê-lo, até que se saia furioso em plena madrugada, no inverno, na chuva e de pijama, para arrancar a calha se for preciso, antes de enlouquecer por completo. Mas o inferno não se pode arrancar.
Desde que se dera conta de onde estava, Zé Augusto passou a tentar lembrar-se de como havia chegado lá, mas sua memória tornara-se um labirinto confuso, sem nenhum sentido. Em pouco tempo tentar lembrar-se passou a ser um tormento maior do que assumir a incapacidade de fazê-lo. Decidiu abandonar esse esforço na esperança de que as lembranças retornassem naturalmente. Desistiu de encontrar os caminhos passados e concentrou-se nos futuros. Teria de haver uma maneira de sair dali, de abandonar o inferno e, ainda que não houvesse esperança de paraíso, atirar-se ao limbo, purgatório ou seja lá o que houvesse.
O engraçado era que mesmo no inferno parecia haver momentos de alegria. Jogos, piadas, brincadeiras e gargalhadas. Tinha gente por todo lado, e todos riam quase que o tempo todo. Mas no meio da multidão parecia não haver ninguém específico. Apesar de viver cercado de muita gente, não sabia o nome de ninguém, nem nada sobre a vida de quem quer que fosse e começava mesmo a duvidar que seu próprio nome fosse José Augusto. Resolveu escrevê-lo nas paredes de casa, enquanto ainda lhe restava alguma noção de identidade. Todo fim de tarde falava para si mesmo, insistentemente, até pegar no sono:
- José Augusto Heiss, é meu nome. José Augusto Heiss...
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Continua... No inferno | 02
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOMG! Lá vou eu me angustiar na expectativa da continuação da história: O que vai acontecer com José Augusto?
ResponderExcluirÉ um tormento, um verdadeiro inferno!!!
E pensar que ficara livre dessa tortura quando o Brabo enfim encerrou a Bacia. Suas deliciosas séries intermináveis me deixavam louco.
E vem vc nos atirar no abismo da espera novamente... Diabos!!!
Que o limbo da espera seja curto. Lembrei agora das Cartas infernais do C.S. Lewis, muito bom.
ResponderExcluirO pior não é a espera, mas os reclamantes. Quando vou ao banco para alguma operação no caixa desautomatizado, penso nisso. Os funcionários do banco até podem ser demônios reptilianos, quanto aos companheiros de fila, não resta dúvida, são capetas. Então me pergunto, seria eu um encapetado?
ResponderExcluirvamos aguardar então! valeu Tuco.
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