23 de setembro de 2013

No inferno [07]


07.

Era uma manhã diferente. A cabeça de Zé Augusto estava a ponto de explodir. Sentou na cama, nu, e ficou olhado as roupas limpas sobre o banco. Sabia que algo diferente tinha ocorrido, mas não conseguia agora lembrar o quê. Ficou sentado com os braços esticados apoiando o peso do corpo na beira da cama, tronco levemente deslocado à frente, ombros na altura das orelhas, testa franzida e olhos fixos nas roupas ao lado da cama. "Abud", balbuciou a palavra, tentando entender como ela havia parado em sua boca. "Abud, Abud...", continuou repetindo enquanto procurava na memória de onde vinha esse nome, mas não encontrou nada. Vestiu-se caminhou para a luz.

Acordou zonzo no quarto cinza. Os flashes de memória eram especialmente festivos. Recostou-se na cama e fechou os olhos para desfrutar das lembranças. Não se incomodava nem um pouco com a umidade e o mal cheiro do quarto. Parecia feliz simplesmente por lembrar-se, ainda que de maneira confuso, das loucuras do dia que passou. Queria dormir logo e voltar para lá.

"Zé! José Augusto!" Abud caminhava pela rua monótona e fria berrando e tentando ouvir alguma resposta. Temia que Zé Augusto não respondesse e que não o encontrasse mais. Sabia estar perto de sua casa. Passou uma longa e solitária noite, e um dia monótono e depressivo, aguardando o entardecer. Quando o sol já estava suficientemente baixo, começou a gritava com força enquanto caminhava naquele lugar estranho. "Responde Zé! Vem pra fora. É Abud, lembra? Nossa conversa de ontem?"

Um último fiapo de luz invadia a casa embolorada pela fresta da porta entreaberta quando uma voz distante se fez ouvir. Zé espremeu os olhos tentando usa-los para desvendar os sons. Abud? Quando enfim ouviu seu nome e percebeu-o também escrito em garranchos nas paredes descascadas do quarto frio, sentiu novamente o cheiro desagradável e percebeu o mofo, o bolor e a decrepitude do quarto. Os flashes cessaram e lembrou da noite anterior. Correu para fora: "Abud? Cadê você rapaz? Abud! Abud!" "Zé?", Abud ouviu os gritos vindo de suas costas. Virou-se e viu um vulto no meio da rua, 500 metros a sua frente. "Tô aqui Zé", e correu na sua direção.

A empolgação do abraço pegou os dois de surpresa. Soltaram-se e se olharam, um esperando a reação do outro. O sorriso sutil na boca de ambos eliminou os receios e voltaram ao abraço. Um longo abraço.

"E agora Abud, vamos pra onde?" "Pra sua casa. Seu quarto fedorento. Era esse o lugar que eu estava procurando." "Fazer o que ali, velho? Eu quero é sair desse beco infinito e cinza. Desse fim de mundo onde o sol se esconde todo dia, mas nunca nasce." "Eu já te disse, Zé. Teu problema não é esse lugar. Teu problema é o outro. É o lugar claro, iluminado e festivo que você visita diariamente. Lá é o inferno, aqui não." "Mas lá é mil vezes melhor que aqui, cara. Você pirou." "Entra no quarto, Zé. Senta na cama e vamos conversar."



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Continua...

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No inferno | 02
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