“Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer se ver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá.” Rm 13:3
Será que Paulo teria escrito esse texto se conhecesse a realidade do nazismo? Ora, Paulo conhecia os desmandos e injustiças de uma autoridade civil. Ele mesmo já havia sido vítima de prisões e açoites, mesmo ciente de estar praticando o bem. Alguns anos depois de escrever esse texto, ele foi feito vítima fatal desse governo.
Parece que ao escrever esse trecho, Paulo refere-se à autoridade como uma necessidade diante da nossa situação atual. Uma sociedade caída e pervertida carece de mecanismos de ordem para manter-se viva. Os governos instituídos colaboram para esse ambiente ordenado, ainda que de forma imperfeita. De fato a ordem foi mantida muitas vezes pela espada, de forma cruel e injusta. Mas é sob essa ordem que nos mantivemos até aqui. Ao estarmos submissos às ‘autoridades governamentais’, colaboramos de alguma forma à essa ordem necessária. Mas essa submissão não é incondicional.
No versículo 3 encontramos a chave da argumentação - ‘pratique o bem’. Paulo supõe que a autoridade seja serva de Deus para o bem e, sendo assim, devemos ser colaboradores dela. Mas no capítulo anterior (12:18), Paulo admoesta os Romanos a fazerem ‘todo o possível para viverem em paz uns com os outros’. Existem situações em que o submeter-se ao Estado pode ser exatamente o contrário de ‘fazer o bem’, e aí, talvez, seja impossível manter a paz. É evidente que diante dessas circunstâncias, nossa prioridade é fazer o bem.
Na nossa atual situação política, podemos, inclusive, colaborar para que o Estado atue por nós, a favor do bem. Somos uma sociedade democrática, e temos parte da responsabilidade pelo Estado que nos governa. Sabemos que cabe ao Estado criar condições de vida, educação, saúde, segurança e trabalho ao cidadão. Por isso, como cristãos, não podemos nos omitir politicamente, muito menos cooptar com a politicagem que permeia todos os setores da nossa sociedade. Temos que participar ativamente dos processos políticos que temos à disposição, não para ‘garantir nossa parte’, como vergonhosamente faz a bancada ‘evangélica’ no congresso, mas para atuar a favor do bem maior, pela sociedade toda, independente de fé.
Para isso, não precisamos ser governados por evangélicos, nem erguer desesperadamente a bandeira contra casamentos homossexuais ou aborto. Devemos eleger cidadãos compromissados com a justiça, a distribuição de renda, a educação, a saúde, o meio-ambiente, independente da fé que apregoem. E se tivermos cristãos concorrendo a cargos públicos, a última coisa que deve nos interessar é a profissão de fé do sujeito. O envolvimento da Igreja com o Estado se dá no mesmo âmbito do envolvimento da Igreja com as demais esferas da sociedade. Ela é sal, que se dissolve e dá sabor. O sal, quando dá sabor, desaparece. Todo mundo sabe que está lá, mas ele não precisa ser anunciado.
Além disso, o envolvimento direto do cristão com o estado, a possibilidade de o cristão “exercer ofícios civis” (cf. confissão de fé de Augsburgo), parece não ter sido questionada nem por Paulo, nem Pedro, nem por Cristo. Afinal, o centurião Cornélio jamais foi admoestado a deixar seu cargo. Pedro, no entanto, concluiu que Deus aceita a “todo o que o teme e faz o que é justo” (At 10:35). Da mesma forma o carcereiro de Filipos foi aceito e batizado por Paulo sem mais controvérsias. E Jesus não achou em Jerusalém ninguém com mais fé que certo centurião. Todos debaixo do Estado e sujeitos às ordens de praticar ações repressivas contra cidadão comuns.
Ora, que oportunidade maior teria o Estado de praticar o bem, do que tendo entre seus servidores, cristãos dedicados à tal pratica? Temos sim que nos levantar contra as autoridades que ‘praticam o mal’, que governam para si, que enchem os bolsos às custas da saúde e educação de seus eleitores, incluindo os que se dizem "irmãos em Cristo". E podemos nos envolver com o Estado e participar ativamente dele como indivíduos, se fizermos de nossa função, seja no Estado ou fora dele, instrumento de justiça e prática do bem, “não por causa da possibilidade de uma punição, mas também por uma questão de consciência”.
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