DE FIODOR DOSTOIEVSKI, EM OS IRMÃOS KARAMÁZOVI [final]
Nós tornamos todos os homens felizes e as revoltas e os massacres inseparáveis de tua liberdade cessarão. Oh! Nós os persuadiremos de que não serão verdadeiramente livres senão abdicando de sua liberdade em nosso favor. Pois bem, diremos a verdade ou mentiremos? Convencer-se-ão eles próprios de que dizemos a verdade, porque se lembrarão daquela servidão e daquela perturbação em que os mergulhou a tua liberdade. A independência, o livre-pensamento, a ciência tê-los-ão desviado num tal labirinto, posto em presença de tais prodígios, de tais enigmas, que uns, rebeldes furiosos, destruir-se-ão a si mesmos, e os outros, rebeldes, porém fracos, multidão covarde e miserável, se arrastarão a nossos pés, gritando: 'Sim, tínheis razão, somente vós possuíeis seu segredo e nós voltamos a vós; salvai-nos de nós mesmos!' Sem dúvida, recebendo de nós os pães, verão bem que tomamos os deles, ganhos com seu próprio trabalho, para distribuí-los, sem nenhum milagre; verão bem que não mudamos as pedras em pão; mas o que lhes causará mais prazer que o próprio pão será recebê-lo de nossas mãos! Porque se lembrarão de que outrora o próprio pão, fruto de seu trabalho, mudava-se em pedra em suas mãos, ao passo que, quando voltaram a nós, as pedras tornaram-se pão. Compreenderão o valor da submissão definitiva. E, enquanto os homens não a tiverem compreendido, serão infelizes. Quem mais contribui para essa incompreensão, dize-me? Quem dividiu o rebanho e dispersou-o por estradas desconhecidas? Mas o rebanho se recomporá, voltará a obedecer e será isso para todo o sempre. Então, dar-lhe-emos uma felicidade mansa e humilde, uma felicidade adaptada a criaturas fracas como eles. Nós os persuadiremos, por fim, a não se orgulharem, porque fôste tu, elevando-os, quem os ensinou a serem orgulhosos; provar-lhes-emos que são débeis, que são crianças dignas de dó, mas que a felicidade infantil é a mais deleitável. Tornar-se-ão tímidos, não nos perderão de vista e se comprimirão contra nós com medo, como uma tenra ninhada sob a asa materna. Sentirão uma surpresa medrosa e terão orgulho de toda aquela energia e inteligência que nos permitiram domar a multidão inumerável dos rebeldes. Nossa cólera fá-los-á tremerem, a timidez dominá-los-á, seus olhos tornar-se-ão lacrimosos como os das crianças e das mulheres; mas, a um sinal nosso, passarão bem facilmente ao riso e à alegria, à alegria radiosa das crianças. Decerto, sujeitá-los-emos ao trabalho, mas nas horas de lazer organizaremos sua vida como um brinquedo de criança, com cantos, coros, danças inocentes. Oh! permitiremos mesmo que pequem — são fracos —, e nos amarão por causa disso como crianças. Dir-lhes-emos que todo pecado será redimido, se fôr cometido com nossa permissão; por amor é que lhes permitiremos que pequem e assumiremos o castigo de tais pecados. Amar-nos-ão como a benfeitores que tomam a si a carga de seus pecados perante Deus. Não terão segredo algum para conosco. De acordo com seu grau de obediência, permitir-lhes-emos ou proibir-lhes-emos que vivam com suas mulheres e suas amantes, que tenham filhos ou não tenham, e eles nos escutarão com alegria. Submeter-nos-ão os segredos mais penosos de sua consciência, resolveremos todos os casos e eles aceitarão nossa decisão com alegria, porque ela lhes poupará a grave preocupação de resolverem eles mesmos livremente. E todos serão felizes, milhões de criaturas, exceto uns 100 000, seus diretores, exceto nós, os depositários do segredo. Os felizes contar-se-ão por bilhões e haverá 100 000 mártires encarregados do conhecimento maldito do bem e do mal.
Morrerão tranqüilamente, extinguir-se-ão mansamente em teu nome e no outro mundo nada encontrarão senão a morte. Mas nós guardaremos o segredo; nós os ninaremos, para sua felicidade, com uma recompensa eterna no céu. Porque, se houvesse outra vida, não seria decerto para criaturas como eles. Profetiza-se que voltarás para vencer de novo, cercado de teus eleitos, poderosos e orgulhosos; diremos que eles só se salvaram a si mesmos, ao passo que nós salvamos o mundo inteiro. Dizem que a fornicadora, montada na besta e tendo nas mãos a taça do mistério, será desonrada, que os fracos se revoltarão de novo, rasgarão sua púrpura e desnudarão seu corpo 'impuro'. Eu me levantarei então e te mostrarei os bilhões de felizes que não conheceram o pecado. E nós, que nos sobrecarregamos com seus pecados, para sua felicidade, nós nos ergueremos diante de ti, dizendo: 'Não te tememos; também eu estive no deserto, vivi de gafanhotos e de raízes; também eu abençoei a liberdade com que gratificaste os homens e me preparava para figurar entre teus eleitos, os poderosos e os fortes, ardendo por completar-lhes o número. Mas dominei-me e não quis servir uma causa insensata. Voltei a juntar-me àqueles que corrigiram tua obra. Abandonei os orgulhosos, voltei aos humildes, para fazer a felicidade deles. O que te digo se realizará e nosso império se edificará. Repito-te, amanhã, a um sinal meu, verás aquele rebanho dócil trazer carvões acesos para a fogueira a que subirás, por teres vindo estorvar nossa obra. Porque, se alguém mereceu mais que todos a fogueira, fôste tu. Amanhã, queimar-te-ei. Dixi."*
* Tenho dito. Expressão latina empregada antigamente no final dos discursos.
Veja também:
O Grande Inquisidor - parte 1
O Grande Inquisidor - parte 2
O Grande Inquisidor - parte 3
O Grande Inquisidor - parte 4
O Grande Inquisidor - parte 5
O Grande Inquisidor - parte 6
O Grande Inquisidor - parte 7
O Grande Inquisidor - parte 8
Belo trabalho o de transcrever esse explêndido poema de Ivan Karamazovi. É uma das coisas mais comoventes que já li. Agora tenho onde linkar.
ResponderExcluirAbração.
Obrigado por me fazer meditar na liberdade oferecida por Jesus.
ResponderExcluirUm abraço.