DE FIODOR DOSTOIEVSKI, EM OS IRMÃOS KARAMÁZOVI [parte V]
Consentindo no milagre dos pães, terias acalmado a eterna inquietação da humanidade — indivíduos e coletividade —, isto é: 'Diante de quem se inclinar?' Porque não há, para o homem que fica livre, preocupação mais constante e mais ardente do que procurar um ser diante do qual se inclinar. Mas só quer ele inclinar-se diante de uma força incontestada, que todos os humanos respeitem por consenso universal. Porque essas pobres criaturas atormentar-se-ão em procurar um culto que reúna não somente alguns fiéis, mas no qual todos juntos comunguem, unidos pela mesma fé. Porque essa necessidade da comunidade na adoção é o principal tormento de cada indivíduo e da humanidade inteira, desde o começo dos séculos. É para realizar esse sonho que se têm os homens exterminado pelo gládio. Os povos forjaram deuses e desconfiaram uns dos outros: 'Abandonai vossos deuses, adorai os nossos, senão, ai de vós e de vossos deuses!' E assim será até o fim do mundo, mesmo quando os deuses tiverem desaparecido; prosternar-se-ão diante dos ídolos. Tu não ignoravas, tu não podias ignorar esse segredo fundamental da natureza humana e, no entanto, repeliste a única bandeira infalível que te ofereciam e que teria curvado sem contestação todos os homens diante de ti, a bandeira do pão terrestre; rejeitaste-a em nome do pão do céu e da liberdade! Vê o que fizeste em seguida, sempre em nome da liberdade! Não há, repito-te, preocupação mais aguda para o homem que encontrar o mais cedo possível um ser a quem delegar esse dom da liberdade que o infeliz traz consigo ao nascer. Mas, para dispor da liberdade dos homens, é preciso dar-lhes a paz da consciência. O pão te garantia o êxito; o homem se inclina diante de quem lhe dá, porque é uma coisa incontestável, mas, se um outro se torna senhor da consciência humana, largará ali mesmo o teu pão para seguir aquele que cativa sua consciência. Nisto tu tinhas razão, porque o segredo da existência humana consiste não somente em viver, mas ainda em encontrar um motivo de viver. Sem uma idéia nítida da finalidade da existência, prefere o homem a ela renunciar e se destruirá em vez de ficar na terra, embora cercado de montes de pão. Mas que aconteceu? Em lugar de te apoderares da liberdade humana, tu ainda a estendeste! Esqueceste-te então de que o homem prefere a paz e até mesmo a morte à liberdade de discernir o bem e o mal? Não há nada de mais sedutor para o homem do que o livre arbítrio, mas também nada de mais doloroso. E, em lugar de princípios sólidos que teriam tranqüilizado para sempre a consciência humana, tu escolheste noções vagas, estranhas, enigmáticas, tudo quanto ultrapassa a força dos homens e com isso agiste como se não os amasses, tu, que vieras dar tua vida por eles! Aumentaste a liberdade humana em vez de confiscá-la e assim impuseste para sempre ao ser moral os pavores dessa liberdade. Querias ser livremente amado, voluntariamente seguido pelos homens fascinados. Em lugar da dura lei antiga, o homem, devia doravante, com coração livre, discernir o bem e o mal, não tendo para se guiar senão tua imagem, mas não previas que ele repeliria afinal e contestaria mesmo tua imagem e tua liberdade, esmagado sob essa carga terrível: a liberdade de escolher? Gritarão por fim que a verdade não estava em ti, de outro modo não os terias deixado numa incerteza tão angustiosa, com tantas preocupações e problemas insolúveis. Preparaste assim a ruína de teu reino. Não acuses ninguém. Entretanto, era isso que te propunham? Há três forças, as únicas que possam subjugar para sempre a consciência desses fracos revoltados, a saber: o milagre, o mistério, a autoridade!
[continua]
Veja também:
O Grande Inquisidor - parte 1
O Grande Inquisidor - parte 2
O Grande Inquisidor - parte 3
O Grande Inquisidor - parte 4
O Grande Inquisidor - parte 5
O Grande Inquisidor - parte 6
O Grande Inquisidor - parte 7
O Grande Inquisidor - parte 8
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