13 de março de 2007

O Grande Inquisidor [parte VII]

DE FIODOR DOSTOIEVSKI, EM OS IRMÃOS KARAMÁZOVI [parte VII]

Mas, lembra-te, não eram eles senão alguns milhares e quase deuses, e o resto? É falta deles, dos outros, dos fracos humanos, se não puderam suportar o que suportam os fortes? É culpada a alma fraca por não poder conter dons tão terríveis? Vieste na verdade apenas para os eleitos? Então, é um mistério, incompreensível para nós, e teremos o direito de pregá-lo aos homens, de ensinar que não é a livre decisão dos corações nem o amor que importam, mas o mistério, ao qual devem eles submeter-se cegamente, mesmo malgrado sua consciência. É o que temos feito. Corrigimos tua obra baseando-a no milagre, no mistério, na autoridade. E os homens regozijaram-se por ser de novo levados como um rebanho e libertados daquele dom funesto que lhes causava tais tormentos. Tínhamos razão de agir assim, dize-mo? Não era amar a humanidade compreender sua fraqueza, aliviar seu fardo com amor, tolerar mesmo o pecado à sua fraca natureza, contanto que fosse com nossa permissão? Por que então vir entravar nossa obra? Por que guardas tu o silêncio, fixando-me com teu olhar penetrante e terno? É preferível que te zangues, não quero o teu amor, porque eu mesmo não te amo. Por que haveria eu de dissimular isto? Sei a quem falo, tu conheces o que tenho a dizer-te, vejo-o nos teus olhos. Cabe a mim esconder-te nosso segredo? Talvez o queiras ouvir de minha boca. Ei-lo: não estamos contigo, mas com ele, desde muito tempo já. Há justamente oito séculos que recebemos dele esse derradeiro dom que tu repeliste com indignação, quando ele te mostrava todos os reinos da terra; aceitamos Roma e o gládio de César e declaramo-nos os únicos reis da terra, se bem que até agora não tenhamos tido ainda tempo de completar nossa obra. Alias de quem a culpa? Oh! o negócio está apenas começado, bem longe de ser completado, e a terra terá de sofrer ainda muito, mas atingiremos nosso fim, seremos césares e então pensaremos na felicidade universal.
Entretanto, terias podido então tomar o gládio de César. Por que repeliste esse derradeiro dom? Seguindo esse terceiro conselho do poderoso espírito, realizavas tudo quanto os homens procuram na terra: um senhor diante de quem inclinar-se, um guarda de sua consciência e o meio de se unirem finalmente na concórdia em uma comunidade de formigueiro, porque a necessidade da união universal é o terceiro e derradeiro tormento da raça humana. A humanidade teve sempre tendência no seu conjunto para organizar-se sobre uma base universal. Houve grandes povos de história gloriosa, mas, à medida que se elevaram, sofreram mais, experimentando mais fortemente que os outros a necessidade da união universal. Os grandes conquistadores, os Tamerlão e Gengis-Cã, que percorreram a terra como um furacão, encarnavam, também eles, sem ter disso consciência, essa aspiração dos povos à unidade. Aceitando a púrpura de César, terias fundado o império universal e dado a paz ao mundo. Com efeito, quem está qualificado para dominar os homens senão aqueles que lhes dominam a consciência e dispõem de seu pão? Tomamos o gládio de César e, assim fazendo, nós te abandonamos para segui-lo. Oh! Decorrerão ainda séculos de licença intelectual, de vã ciência e de antropofagia, porque será nisto que eles acabarão, depois de ter edificado sua torre de Babel sem nós. Mas então a besta virá para nós arrastando-se, lamberá nossos pés, regá-los-á com lágrimas de sangue. E nós montaremos nela, ergueremos no ar uma taça em que estará gravada a palavra: 'Mistério'. Então somente a paz e a felicidade reinarão sobre os homens. Tu te orgulhas de teus eleitos, mas não passam de um escol, ao passo que nós daremos o repouso a todos. Aliás, entre esses fortes destinados a ser eleitos, quantos se cansaram por fim de esperar-te, levaram e levarão ainda a outras partes as forças de seu espírito e o ardor de seu coração, quantos acabarão por insurgir-se contra ti em nome da liberdade! Mas serás tu que lha terás dado.

[continua]

Veja também:
O Grande Inquisidor - parte 1
O Grande Inquisidor - parte 2
O Grande Inquisidor - parte 3
O Grande Inquisidor - parte 4
O Grande Inquisidor - parte 5
O Grande Inquisidor - parte 6
O Grande Inquisidor - parte 7
O Grande Inquisidor - parte 8

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