4 de março de 2007

O Grande Inquisidor [parte III]

DE FIODOR DOSTOIEVSKI, EM OS IRMÃOS KARAMÁZOVI [parte III]

"Tens tu o direito de nos revelar um só dos segredos do mundo donde vens?", pergunta o velho, que responde em seu lugar: "Não, não tens o direito, porque essa revelação se ajuntaria à de outrora, e seria isso retirar aos homens a liberdade que defendias tanto na terra. Todas as tuas revelações novas feririam a liberdade da fé, porque pareceriam miraculosas; ora, tu punhas acima de tudo, há quinze séculos, essa liberdade da fé. Não disseste bem muitas vezes: "Quero tornar-vos livres"? Pois bem, viste-os, os homens "livres" — acrescenta o velho, com ar sarcástico. — Sim, isto nos custou caro — prosseguiu ele, olhando-o com severidade —, mas levamos o cabo afinal àquela obra em teu nome. Foram-nos precisos quinze séculos de rude labor para instaurar a liberdade; mas está feito, e bem feito. Não o crês? Olhas-me com doçura, sem mesmo fazer-me a honra de te indignares. Mas fica sabendo que jamais os homens se creram tão livres como agora, e, no entanto, a liberdade deles depositaram-na humildemente a nossos pés. Isto é a nossa obra, para dizer a verdade: é a liberdade que sonhavas?"

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— Não compreendo de novo — interrompeu Aliócha. — Ironiza ele, zomba?

— Absolutamente! Vangloria-se de ter, ele e os seus, suprimido a liberdade, com o fito de tornar os homens felizes.

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"Porque é agora, pela primeira vez (fala ele, bem entendido, da Inquisição), que se pode pensar na felicidade dos homens. São naturalmente revoltados; revoltados podem ser felizes? Tu estavas advertido — diz-lhe ele —, conselhos não te faltaram, mas não os levaste em conta, rejeitaste o único meio de proporcionar a felicidade aos homens; felizmente, ao partires, tu nos transmitiste a obra, prometeste, concedeste-nos solenemente o direito de ligar e desligar; decerto, não podes pensar em retirar de nós agora esse direito. Por que então vieste estorvar-nos?"

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— Que significa isso: "As advertências e os conselhos não te faltaram?" — perguntou Aliócha.

— Mas é o ponto capital no discurso do ancião.

***

"O espírito terrível e profundo, o espírito da destruição e do nada", continua ele, "falou-te no deserto e as Escrituras relatam que ele te 'tentou', é verdade? E nada se podia dizer de mais penetrante que o que te foi dito nas três perguntas ou, para falar com as Escrituras, as 'tentações' que repeliste? Se jamais houve na terra um milagre autêntico e retumbante, foi o dia daquelas três tentações. O simples fato de terem sido formuladas aquelas três perguntas constitui um milagre. Suponhamos que tenham desaparecido das Escrituras, que seja preciso reconstituí-las, imaginá-las de novo para substituí-las ali, e que se reúnam para esse efeito todos os sábios da terra, homens de Estado, prelados, sábios, filósofos, poetas, dizendo-lhes: imaginai, redigi três perguntas que não somente correspondam à importância do acontecimento, mas ainda exprimam em três frases toda a história da humanidade futura — acreditas que esse areópago da sabedoria humana poderia imaginar nada de tão forte e de tão profundo como as três questões que te propôs então o poderoso espírito? Essas três questões provam por si sós que se tem de ver com o espírito eterno e absoluto e não com um espírito humano transitório. Porque resumem e predizem ao mesmo tempo toda a história ulterior da humanidade, são as três formas em que se cristalizam todas as contradições insolúveis da natureza humana. Não se podia na ocasião perceber isso, porque o futuro estava velado, mas agora, após quinze séculos decorridos, vemos que tudo fora previsto naquelas três perguntas e realizou-se a ponto de ser impossível acrescentar-lhes ou retirar-lhes uma só palavra.

[continua]

Veja também:
O Grande Inquisidor - parte 1
O Grande Inquisidor - parte 2
O Grande Inquisidor - parte 3
O Grande Inquisidor - parte 4
O Grande Inquisidor - parte 5
O Grande Inquisidor - parte 6
O Grande Inquisidor - parte 7
O Grande Inquisidor - parte 8

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