19 de abril de 2007

Apesar de Copérnico, todo o cosmos gira ao redor de nosso pequeno globo

O cristianismo herdou do judaísmo não só um conceito de tempo como algo não repetido e linear, mas também uma surpreendente história da criação. Em sucessivas etapas, um Deus amoroso e todo-poderoso criou a luz e as trevas, os corpos celestes, a terra com todas as suas plantas, animais, pássaros e peixes. Finalmente, Deus criou Adão, e logo em seguida criou Eva, para evitar que o homem estivesse só. O homem colocou nomes nos animais, estabelecendo, assim, seu domínio sobre eles. Deus planejou tudo isso detalhadamente para benefício do homem e para que este o governasse; nada da criação física tinha outra razão de ser que não fosse servir aos propósitos do homem. E, muito embora o corpo do homem fora feito de barro, ele não se constitui em uma simples parte da natureza, já que o homem foi feito à imagem de Deus.

Especialmente na sua versão ocidental, o cristianismo é a religião mais antropocêntrica que o mundo já conheceu. [...] O cristianismo, em absoluto contraste com o paganismo antigo e as religiões da Ásia (exceto talvez o zoroastrismo), não somente estabeleceu o dualismo homem-natureza, como também insiste em que a vontade de Deus é que o homem explore a natureza para seus próprios fins.
Ao destruir o animismo pagão, o cristianismo tornou possível a exploração da natureza com um sentimento de total indiferença para com os valores dos objetos naturais.
Ao nível popular, este conceito desenvolveu-se de forma muito interessante. Na Antigüidade, cada árvore, cada riacho, cada rio, cada colina tinha seu próprio geios locais, seu espírito guardião. Esses espíritos eram acessíveis ao homem, porém muito diferentes dele; centauros, faunos e sereias mostravam sua ambivalência. Antes que alguém cortasse uma árvore, escavasse uma montanha ou represasse um riacho, era importante que aplacasse o espírito responsável por aquela situação particular e o mantivesse calmo. Ao destruir o animismo pagão, o cristianismo tornou possível a exploração da natureza com um sentimento de total indiferença para com os valores dos objetos naturais.

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UMA ALTERNATIVA AO PONTO DE VISTA CRISTÃO
Aparentemente tem-se a impressão de que estamos sendo conduzidos a conclusões desagradáveis para muitos cristãos.

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Nossa ciência e tecnologia têm-se desenvolvido a partir das atitudes cristãs para com a relação do homem com a natureza, as quais são quase universalmente mantidas não só pelos cristãos e novos cristãos, mas também por aqueles que se ufanam em reconhecer-se como pós-cristãos.

Apesar de Copérnico, todo o cosmos gira ao redor de nosso pequeno globo.

Pessoalmente duvido que nosso desastroso retrocesso ecológico possa ser evitado simplesmente pela aplicação de mais ciência e tecnologia a nossos problemas. Nossa ciência e tecnologia têm-se desenvolvido a partir das atitudes cristãs para com a relação do homem com a natureza, as quais são quase universalmente mantidas não só pelos cristãos e novos cristãos, mas também por aqueles que se ufanam em reconhecer-se como pós-cristãos. Apesar de Copérnico, todo o cosmos gira ao redor de nosso pequeno globo. Apesar de Darwin, não somos, em nossos corações, parte do processo natural. Somos superiores à natureza, a qual desdenhamos, usando-a somente para satisfazer ainda que seja o nosso menor capricho.

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Para um cristão uma árvore não pode ser nada mais que um fato físico. Todo o conceito de bosque sagrado é alheio ao cristianismo e «ethos» cultural do Ocidente. Aproximadamente durante dois milênios os missionários cristãos têm estado cortando bosques sagrados, em virtude das atribuições espirituais que lhes foram conferidas pelo povo, tornando-se motivo de idolatria.

O que fazemos com a ecologia dependerá de nossas idéias sobre a relação homem-natureza. Uma dose maior de ciência e tecnologia não irá livrar-nos de nossa presente crise ecológica até que encontremos uma nova religião ou reconsideremos a que já temos.

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Possivelmente deveríamos ponderar o indivíduo mais radical da história cristã desde a época de Cristo: São Francisco de Assis. O primeiro milagre de São Francisco é o de não ter acabado em uma estaca, como aconteceu a muitos de seus seguidores da ala esquerda. São Francisco foi um herege tão claro que um dos Gerais da ordem Franciscana, grande cristão e homem muito perspicaz, tratou de suprimir os primeiros registros do franciscanismo. A chave para entender São Francisco é sua crença na virtude da humildade, não somente com relação ao indivíduo, mas pelo homem como uma espécie. São Francisco tentou depor o homem de sua soberania sobre a criação, para apresentar uma democracia de todas as criaturas de Deus. Para ele, a formiga não é mais uma homília dedicada ao preguiçoso, o fogo, um símbolo da alma ao unir-se a Deus; agora eles são a irmã Formiga e o irmão Fogo, os quais dão louvores a Deus de acordo com os ditames da natureza, assim como o irmão Homem o louva de acordo com as suas próprias características.
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Sem dúvida, os atuais e crescentes transtornos do ambiente global é o produto de uma ciência e tecnologia dinâmicas que se foram originando no mundo medieval ocidental e contra o qual São Francisco se estava rebelando de uma forma tão original. O crescimento desta ciência e desta tecnologia não pode ser compreendido historicamente sem que se considerem as diferentes atitudes para com a natureza que estão profundamente arraigadas no dogma cristão. O fato de que a maioria das pessoas não pensa nestas atitudes como sendo cristãs é irrelevante. Nenhum conjunto de novos valores básicos tem sido aceito por nossa sociedade em substituição ao cristianismo. Conclui-se que continuaremos tendo uma crise ecológica progressiva até que se rejeite o axioma cristão de que a natureza não tem razão de existir, a não ser que seja para servir ao homem.

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Apêndice 1
Do livro A poluição e a morte do homem
de francis Schaeffer

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