23 de fevereiro de 2008

Felicidade e sucesso

Dentre todas as formas de culto ao sucesso, a mais degradante é, sem dúvida, a religiosa.

É necessário esclarecer aqui que o sucesso ao qual me refiro é o sucesso popularizado pela sociedade capitalista, pós-moderna, de consumo. Sucesso que se visualiza no acúmulo de bens e na conquista de status. E a motivação, o alvo desse sucesso (ao menos em tese), é a felicidade. E felicidade, nessa perspectiva, é auto-realização. O culto ao sucesso é, portanto, culto à auto-realização, culto a “eu mesmo”, edonismo puro.

Essa forma de sacralização do sucesso como objetivo último da jornada de cada ser humano, já é desagradável o bastante quando é pregada por gente que não o associa com Deus ou divindade alguma. Mas quando a mola propulsora da busca pelo sucesso é a fé, atingimos um plano definitivamente nauseante.

Nesse conceito depravado de vida, usa-se pessoas para ganhar coisas. Todo relacionamento é motivado pelo resultado do indivíduo na busca pelo sucesso. Só me relaciono com alguém quando tenho algo a ganhar com isso. O conceito cristão deveria ser inverso. Usar coisas para ganhar pessoas. Não ganhar no sentido proselitista de “ganhar almas”, mas no sentido humano de aproximar vidas, de receber a graça de poder desfrutar da vida de alguém e entregar-se por essa pessoa.

Um carro novo pode me dar um pouco mais de conforto ou status, mas o que pode realmente transformar a minha vida são os minutos gastos conversando com um estranho na rua.

Quando perguntaram a C. S. Lewis qual das religiões do mundo confere a seus seguidores maior felicidade, o professor inglês respondeu:


Enquanto dura, a religião da auto-adoração é a melhor. Tenho um velho conhecido já com seus 80 anos de idade, que vive uma vida de inquebrantável egoísmo e auto-adoração e é, mais ou menos, lamento dizer, um dos homens mais felizes que conheço. Do ponto de vista moral, é muito difícil. Eu não estou abordando o assunto segundo esse ponto de vista. Como vocês talvez saibam, não fui sempre cristão. Não me tornei religioso em busca da felicidade. Eu sempre soube que uma garrafa de vinho do Porto me daria isso. Se você quiser uma religião que te faça feliz, eu não recomendo o cristianismo. Tenho certeza que deve haver algum produto americano no mercado que lhe será de maior utilidade, mas não tenho como lhe ajudar nisso.
O absurdo maior do cristianismo é que seu sucesso encontra-se na cruz. Alguém encara um sucesso desses?


Veja também:
Nossa única esperança de redenção
Testemunho de morte

18 de fevereiro de 2008

Picadeiro


No picadeiro surge um homem triste.
Sorriso forjado do avesso, roupas largas e passos trôpegos.

No picadeiro surge como espelho.
Reflete as dores de tanta gente, a nostalgia, as mágoas
e a saudade de quem vive a vida real.

De um só golpe arranca os risos das crianças
e a alma dos peitos adultos.

E riem-se os meninos, enquanto os homens
engasgam e engolem lágrimas.

No picadeiro ele tropeça nos calcanhares
e cai seco sobre o chão batido.
Desgraça feita riso e riso contagiante,
que explode na boca mais renitente
e enche de tola esperança os peitos adultos e vazios.

E riem todos sob a lona fria e suja de cores gastas.
Menos o homem no centro do picadeiro.
Esse chora, porque sabe que nenhum riso resiste ao sol poente.

9 de fevereiro de 2008

Nossa única esperança de redenção

Esqueçam Shinyashiki, “o segredo”, Rick Warren e Saddleback. Esqueçam a produtividade, o progresso, o sucesso, o crescimento, a performance, os louros a fama e as celebridades. Abominem, sobretudo, a excelência. Só o que poderá nos redimir é a mediocridade.

Nenhum plano ou projeto, pessoal, comunitário ou global, deliberadamente destinado ao sucesso e dependente de líderes capacitados, carismáticos e persuasivos terá o poder de nos livrar do fracasso da raça humana. Nossa última esperança de redenção reside tão somente no medíocre.

A única e terrível alternativa que nos resta é consertar o telhado, tratar as galinhas e plantar alface. Cultivar o ócio, espreguiçados em redes e bancos de praça, alimentando os pombos. Porque todo o passo que damos em direção ao sucesso é um passo dado em direção à ruína. Todo sucesso pessoal é ruína da humanidade.

Nossa última esperança de redenção está disponível a todos e a qualquer um, mas ninguém a quer. A salvação da raça humana, e do planeta, está em nos lançarmos corajosamente nos braços ordinários da mediocridade.

Precisamos reunir todos os livros, vídeos e apresentações de power point que insinuem sucesso, propósitos e metas. Buscar todo material usado em palestras motivacionais e convenções de vendas, todos os emails com metáforas sobre vencedores. Guardar todo esse ajuntamento devasso da recente produção humana em um porão profundo com paredes largas e porta de chumbo, repleto de naftalina, para que as futuras gerações o descubram intacto e riam-se de nós ao vasculharem nossos arquivos.

Que riam enquanto estiverem deitadas em suas redes, caminhando despreocupadas de pés no chão ou reunidas em rodas de conversa em torno de uma fogueira. Que riam enquanto concertam seus telhados ou constroem juntos a casa de seu irmão.

Que riam de nossa solidão, ganância e egoísmo, enquanto repartem o que têm, compartilham livremente o que produziram e dedicam-se às vidas uns dos outros.

Que riam dos nossos carros e mansões, do nosso luxo e sofisticação, da nossa tecnologia, de nossos fastfoods e nossos sonhos de riqueza. Que riam enquanto desfrutam a vida com poucos e suficientes recursos. Enquanto hospedam-se nas casas uns dos outros em longas viagens sem destino.

E que silenciem aos poucos, trocando olhares reverentes, em solene silêncio, por gratidão ao dia em que abrimos mão de tudo, abraçamos a mediocridade e salvamos o mundo.


"Bem aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus."