27 de abril de 2007

A andarilha das mercês.

Uma história real



Não ajuntem tesouros na terra...


Ela ganhava a vida vendendo artesanato na rua. Fazia e vendia o que precisava para comer e dormir, um dia depois do outro. Juntava o pouco que sobrava até conseguir comprar uma passagem para outra cidade. E ia. Todos os seus bens, suas posses, roupas e objetos pessoais cabiam dentro de uma bolsa surrada que ela carregava nas costas.


Vocês não podem servir a Deus e às riquezas...


Foi enquanto ela andava por uma calçada do bairro das Mercês em Curitiba que eles se encontraram. Ele no intervalo do almoço, indo a um restaurante. Ela com seus artesanatos, num intervalo da vida. Ela ofereceu suas peças ao rapaz, que não se interessou.

– Moço, você sabe onde eu posso almoçar barato por aqui?

– Estou indo no restaurante mais em conta da região. Come-se bem por R$ 7,00.

– É muito pra mim moço. Não tem outro?

Não tinha. Mas o rapaz se ofereceu para pagar o almoço da andarilha.

– Se você quer me ajudar, compre algo de mim, que aí tenho dinheiro pra almoçar.

Comprou. E foram juntos ao restaurante. A moça, com um vestido simples e surrado, se sentiu constrangida na porta do estabelecimento, mas acompanhou o rapaz, por insistência dele. Serviram-se no buffet, sentaram-se e começaram a incrível conversa. Entre uma e outra pergunta, a mulher contou a impressionante história da sua vida.


Não andem ansiosos com o que terão para comer, beber ou vestir...


– Vivo assim moço. Não junto pra mim nada além do necessário para hoje. Minhas economias são somente pra me levar a um próximo lugar. Nada mais. Em cada cidade que chego, procuro logo a região mais pobre, mais carente, mais desamparada, e ali eu fico. Conheço as pessoas, converso, ouço, convivo. E logo começo a juntar alguns para ensinar. Ensino artesanato pra que tenham renda. Ensino a ler e escrever, crianças e adultos. Em alguns lugares consigo ajuda para montar oficinas onde ensinamos coisas que possam ser úteis pra quem mora ali. Depois de um tempo, junto novamente algum dinheiro e vou pra outro lugar. Tenho ido bastante pra Maringá, pras aulas de pedagogia na faculdade (!). Mas só assisto o que interessa. Porque não quero diploma não. O que quero é poder ajudar ainda mais quem precisa.


Olhem para as aves do céu... para os lírios do campo...


Confuso e extasiado, o rapaz pensava – quem é essa mulher? De onde vem essa bondade, esse compromisso com o próximo, esse desapego material? – Não resistiu a pergunta mais óbvia:

– Você faz isso por quê? Deus tem alguma coisa a ver com sua motivação?

– Ih, moço, eu tenho uma fé danada – ela respondeu, enquanto se abaixava buscando alguma coisa dentro de sua bolsa. Quando achou, esboçou um leve sorriso e encheu-se de confiança. Deitou sobre a mesa uma bíblia que parecia ter saído de uma centrífuga de roupas.
– Minha motivação vem daqui. Das histórias de Jesus. Do que ele fez e ensinou. Do exemplo que deu. E eu não estou falando de igreja não. Nem de religião. Porque nessas igrejas que têm por aí, o pessoal diz que segue Jesus, mas eles não entenderam nada do que ele ensinou. Jesus andava no meio do povo, ensinando e ajudando as pessoas. Eu faço o que ele disse, sigo seus passos de verdade, porque foi isso que ele pediu, nada mais.


Sempre que o fizeram a um destes pequeninos, fizeram a mim...


O moço, que passou toda sua vida nas referidas igrejas, diligentemente envolvido nos programas, eventos, corais, grupos de crianças, adolescentes e jovens, fazendo cartazes e folhetos, suando e correndo para que tudo corresse perfeitamente, ficou envergonhado.


Sempre que deixaram de fazer a um destes pequeninos, deixaram de o fazer a mim...


Depois do almoço cada um seguiu seu caminho. Ela saiu de Curitiba no dia seguinte do encontro, indo pra outra cidade, seguindo os passos de Jesus. Ele ficou pra trás. Assim como eu.


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A andarilha e o rapaz existem e o fato aconteceu em Curitiba, em janeiro de 2007.

2 comentários:

  1. Ai meu Deus! Eu quero conhecer esta mulher!!!

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  2. Quizera eu tb conhecê-la e saber onde ela anda.

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