17 de setembro de 2009

Descontrole


Dispersal, upload feito originalmente por Milky™.




Não há como evitar. Quando lançamos um pensamento ao vento, ele se vai como semente de dente de leão, abolutamente descontrolado, tomando caminhos incertos e inesperados.

Lembro de ter visto uma semente dessas a contraluz quando criança, num daqueles dias em que intuímos que a qualquer momento algo grandioso pode acontecer. Estava sentado no gramado de uma pracinha qualquer, entretido com meus dedos indicador e médio correndo pela grama como que jogando futebol, quando vi o brilho da minúscula pluma branca muito mais intenso do que qualquer outro branco do lugar. Me levantei efeitiçado, com os olhos fixos nela, e a acompanhei em seu vôo sinuoso. Lembro do exato instante em que meus pés descolaram do chão e passei a flutuar vagando vadio atrás daquele fiapo de beleza e luz. Ainda flutuava quando uma gargalhada chamou minha atenção e, ao virar o rosto, encontrei num canto da praça uma família de andarilhos, entre os trapos sujos e garrafas plásticas de pinga que esquentaram sua noite. Lembro que pousei suavemente o pé no chão quando vi o menino maltrapilho sorrindo enquanto soprava a pequena planta e acompanhava o vôo das sementes que o vento trazia na minha direção.

Sempre que essa lembrança se ergue do nevoeiro da minha memória, vem seguida de outra. Vejo novamente diante de mim o homem sisudo de passos rápidos e olhar rabugento. O vejo caminhando determinado com destino certo e hora marcada. Lembro do pequeno gramado em torno do chafariz coberto de florzinhas amarelas e seus frutos brancos vistosos, com as longas hastes verdes coroadas com uma centena de pára-quedas brancos. Me vejo caminhando em sentido contrário e o homem pisoteando e chutando as flores e sementes que subiam em desgovernada revoada de microplumas. Quando passou por mim, trouxe de arrasto, no vácuo de sua pressa, as centenas de plumas desgovernadas. Uma delas foi tragada quando inspirei descuidado e espirrei como um louco.

Lançada ao vento, a mesma semente pode maravilhar uma criança que a vê à contraluz ou desencadear uma crise de espirros em um rapaz com rinite.


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Fugaz

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