3 de fevereiro de 2011

O fim das corporações

Num papo de bar, motivado por aquela conversa estranha com João do Pó (não a minha, que não teve pé nem cabeça, mas a do Brabo), levantou-se a questão inevitável da revolução. Como poderia, nos perguntavamos na mesa do boteco, uma revolução surgir da negação? Não seria preciso empunhar uma bandeira, sair pelas praças e entoar cânticos, organizar seminários e lotar igrejas, estádios e auditórios de belos hotéis? Não seria preciso organizar tudo, montar um organograma e um cronograma, levantar e treinar líderes, montar uma aliança, instituir representantes e essa coisa toda?

Papo vai, papo vem, e chegamos na pessoa do apóstolo encrenqueiro, o Saulo de Tarso, que mudou de nome como alguns boxeadores famosos e acabou ficando conhecido como Paulo de Jesus. É a ele, o famoso autor de mais de meio Novo Testamento, que grande parte da cristandade atribui a culpa pelo surgimento do monstro descontrolado chamado igreja (a instituição religiosa, obviamente). Dizem muitos por aí que foi Paulo, em suas cartas, que inaugurou a hierarquia, o controle, as regrinhas, o machismo, a ênfase no comportamento e uma pequena porção de outras balelas defendidas nos púlpitos, escolas dominicais e seminários.

Paulo, o corporativista.

Lembrei-me de alguns sermões, algumas conversas constrangedoras no gabinete pastoral e umas tantas reuniões de liderança repletas de gráficos, percentuais, métodos e metas.

Depois parei para pensar no Paulo, coitado. Na sensação de desgosto que deve dar no cara. Tanto esforço para anunciar o evangelho da graça, incluindo o famoso peitaço no Pedro, e o sujeito termina assim, como boi de piranha na mão do clero.

Aí lembrei de suas cartinhas, escritas sempre para os que se reúniam na casa de fulano, cicrano, beltrano. Lembrei das saudações especiais para Áquila e Priscila, a famosa dupla caipira Trifena e Trifosa e o Rufo, a respeito de quem já escrevi aqui. Parece mais do que evidente que Paulo escrevia para pessoas, não corporações. Viajava para falar com gentes e ser usado para tocar o coração de gentes, não para fundar 'igrejas'. A consequência, sim meus amigos, simplesmente a consequência natural (não o propósito elaborado, maquinado, programado, articulado, estudado) é que ele ia embora e o povo que ficava, transformado pelo encontro com o Jesus do evangelho anunciado por Paulo, sentia o desejo enorme de reunir-se, e abriam as portas das casas uns pros outros, e repartiam o que tinham, e se instruiam de acordo com tudo que haviam aprendido e estavam aprendendo, e se ajudavam e ajudavam a todos e qualquer um, motivados por puro amor.

As instruções posteriores de Paulo, nada são além de dicas que ele enviava para a rapaziada, baseado nas dificuldades de cada grupo e nas circunstâncias e pressupostos da época.

As corporações religiosas, no entanto, abraçaram as dicas para se justificarem e perpetuarem e muita coisa virou dogma. "É assim que foi, é assim que tem que ser", dizem por aí os corporativistas. E seguem vivendo debaixo de normas e decretos e impondo a coisa toda sobre o povo que lideram.

Paulo era, sem dúvida, eloquente. Tinha o raciocínio rápido, apurado e preciso, presença marcante e cativante. Um sujeito como ele junta multidões, enche sinagogas e causa reboliços nas cidades. Mas era assim que ele era e, pelo que vemos em Atos e nas demais cartas, era o úncio entre os apóstolos que era assim.

Portanto, há quem seja assim, e que assim seja.

Mas no geral, a revolução há de ser silenciosa, discreta e imperceptível. Há de acontecer nos silêncios, nos intervalos, nas sombras, nos becos. Não na tempestade, nem no terremoto, nem no fogo, mas na brisa suave. Não nas corporações, mas nos becos.

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