1 de fevereiro de 2010

Rufo [1]

1. BRISA E TEMPESTADE

Vou tentar contar mais ou menos como as coisas aconteceram. Muitos anos já passaram, mas essa história é daquelas que nunca se apagam.

Rufo não conseguia entender o que estava acontecendo. A cena toda lhe era completamente estranha. Um contraste absurdo com o que lhe tinha marcado profundamente a alma 3 anos antes. Jamais teria sonhado que a mudança da família para Betel, ao lado da grande cidade de Jerusalém, possibilitaria presenciar, junto com seu pai, visão tão degradante e dolorosa. Ainda tinha viva na memória a imagem da mais deliciosa e fantástica refeição de sua vida, em uma colina às margens do grande lago de Tiberíades.

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- Rufo. Volte já aqui.
- Eu tenho que correr mamãe, senão perco o Rabi de vista.

Era difícil explicar o tipo de magnetismo que o arrastou àquele homem. Rumores de todos os cantos referiam-se a ele como profeta, mágico, louco, curandeiro, revolucionário, enganador. Mas, quando soube que ele estava por ali, quando viu seus vizinhos saindo à procura do homem, não exitou. Sua mãe estava desconfiada, mas sabia que não teria como segurar o menino. Por precaução, preparou-lhe um lanche.

- Vá com cuidado filho. E volte logo.

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A situação em Jerusalém era completamente diferente. Desde o pequinique mágico à beira do lago, muita coisa se falou sobre o desafiador e indomável rabi. Rufo acompanhava cada notícia, cada história contada nos fins de tarde, com intensa e ansiosa antenção. Há poucos dias soube que um homem de Betel, que ele já havia visto algumas vezes, fora retirado da sepultura pelo rabi misterioso. Um bom homem que, junto com suas irmãs, havia ajudado a família de Rufo quando precisaram mudar-se para perto da cidade santa.

No dia sombrio e confuso em que voltou a ver o profeta, subira à Jerusalém com seu pai para negociar o fruto da pequena lavoura quando uma multidão descontrolada os engoliu. Enquanto tentava entender o que se passava no meio do tumulto, Rufo ouviu assustado o grito de um soldado romano que olhava fixo na sua direção.

- Você! Venha ajudar o homem a carregar a tora!

O soldado apontava convicto para seu pai, que não teve outra alternativa senão cumprir a ordem. Viu, assustado e confuso, seu pai arrancar das costas de um pobre infeliz um grande e pesado tronco de madeira e colocá-lo sobre os ombros.

- Filho! - gritou Simão, pai de Rufo - Venha junto, não me perca de vista. Logo voltaremos pra casa.

Só quando seu pai deu os primeiros passos é que pode perceber, apavorado, quem estava no chão, quase irreconhecível. Rufo observava atento e aflito o sofrimento do pai carregando a tora acompanhado pelo mesmo rabi que, três anos atrás, inundara-lhe o coração de fé na redenção de seu povo. A multidão gritava, como que obcecada por alguma espécie estranha de vingança. Os anos de opressão, o peso do cetro de César, a humilhação do jugo e a esperança, mais uma vez, escorrendo fluídas pelos dedos, levavam o povo à loucura. Viam o condenado como traidor e explodiam de ódio desmensurado contra o pobre homem.

O que teria havido? Que sentido fazia aquela cena? Não era o rabi Jesus um milagreiro? Não era amado pelo povo? Não era um profeta como há séculos não se via em Israel? A refeição à beira do lago misturava-se confusa com o sangue e o pó na face do profeta. Acompanhando o pai no meio do empurra-empurra da multidão, Rufo ouvia num canto da mente as palavras de Jesus ecoando nas colinas da Galiléia e, quanto mais ouvia, mais sentia-se de novo naquele lugar. Apesar de toda confusão que o cercava, podia sentir a brisa soprando do mar.

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