28 de julho de 2011

Encontro

Teve o Sarau Facamolada. Depois o sarauzinho do Caminho lá em casa, ambos com Silvestre Kuhlmann. Depois um fim de semana em Rio do Sul no sítio do Léo, com fogão a lenha e muita conversa boa. Em seguida o sarau com pinhão no frio do Sítio Vilarejo em Campo Magro, acompanhado de Diego, Sara, Stenio, Selma e Gladir, mais amigos e família. Então saiu um poeminha. E já veio, de presente do Silvestre, uma música pra ele.


Encontro
Letra minha, música do Silvestre Kuhlmann.
O poeminha eu garanto aí em baixo.
A música, por enquanto, só na memória.
Quem sabe uma hora dessa pinta um audio bacana.


A porta está sempre aberta
As trancas do lado de fora
A brisa entra pela janela
O cheiro do mato com ela
E música ao som da viola

Vem quem está a fim
Vem quem tiver vontade
Assim displicentemente
Como vento levando semente
Simplesmente vem pela amizade

É assim que o encontro se dá
Dois ou três é suficiente
Num canto da casa onde mora
Ou à sombra de um pé de amora
Importante é que tenha gente

E gente com algo em comum
Algo que brota do fundo
Um amor que se faz latente
Que vem como desejo ardente
De, quem sabe, mudar o mundo

Mas mundo se muda por dentro
E não labutando a esmo
Passou da hora do treino
Se quer habitar novo Reino
Ama o outro como a ti mesmo

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Cifras aqui.

25 de julho de 2011

A arte do encontro e o tempo

Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Oh! Não tem de quê
Eu também só ando a cem

Nesses tempos de correria abestada, nada mlehor que uma parada para "cantar o tempo", enquanto o tempo passa. A Ultimato está fazendo isso no seu blog. Eu acabei dando um palpite lá, citando Vinícius e Paulinho da Viola.

”Se a vida é a arte do encontro, a morte é feita de esbarrões.”

Confere lá no blog dos caras.

21 de julho de 2011

Ter, pertencer e ir

Houve um tempo em que eu possuia uma igreja. Qual a sua igreja?, me perguntavam, e eu respondia na lata. Ou, talvez, era a igreja que me possuía, pois outros queriam saber de que igreja eu era membro; e eu sabia, e respondia. Outros ainda interessavam-se em saber onde ficava a igreja que era minha, e eu dela: Você vai em que igreja? Aquela!, eu respondia dizendo o nome.

Empobreci. Não possuo mais igreja nenhuma. Libertei-me. Igreja nenhuma me possui. E não há lugar onde possa esconder-me de mim, e criar aquele outro eu, e fechar-me em uma bela e agradável sociedade paralela.

Bebi a água do pote, entornei o caldo pra dentro, absorvi o discurso que encenei por décadas e me lancei na aventura dos que não tem onde repousar a cabeça. E encontrei a solidão, o buraco profundo da ausência, o eco das paredes da sala vazia. Não sou um agregador, confesso solitário. Sem os subterfúgios da instituição, caminho com dois ou três. É o suficiente, creio, mas não me habituo com facilidade.

Sinto-me leve, porém, sabendo que os verbos ter, pertencer e ir foram substituídos por um único verbo. Agora sou. E sendo, sou em qualquer canto, com qualquer um.

Quando dependia dos verbos ter, pertencer e ir, me reunia todo domingo no cultão, e toda quarta nas casas. Eventualmente uns dias aqui e ali em cursos ou jantares especiais disso e daquilo. E a agenda era cheia.

Agora, solitário, a agenda ressoa o eco da imensidão. É, no entanto, a alvura da agenda vazia que testifica o ser.  Hei de me habituar a ela. Hei de me habituar às ricas porém discretíssimas consequências de ser. Porque agora, sem agenda, sem endereço, sem posse, reúno-me como igreja mais do que nunca, em todos os cantos. Todo dia na hora do almoço com a família toda. Todas as noites um tempo na cama do meu filho, um tempo na cama da minha filha, cabecinha no ombro, histórias, risadas, memórias, sonhos e orações. Na minha cama com minha esposa, entre desabafos, risadas, problemas, cansaços, alegrias e outras coisas deliciosas. Todas as sextas, com um punhado de amigos queridos. Alguns sábados aleatórios, numa casa de recuperação. Às quartas, no hospital. Alguns fins de semana em Curitiba, com pais, irmãos e sobrinhos. Algumas noites em família, na sala de casa, com violão, livros, bíblia, teclado, partituras, pijamas, luz de abajour, teatros hilários e coreografias absurdas. E rolamos de rir e chorar, banhados por confissões e pedidos de perdão. De pai pra filho. De irmão pra irmão.

A solidão de hoje é ilusão, e sei disso há muito tempo. É que havia me acostumado com os barulhos de muita gente e esquecido que muita gente é o mesmo que ninguém. O tempo de ter, pertencer e ir passou, mas foi longo e deixou hábitos e costumes. O tempo de ser é um bebê recém desmamado que por vezes ainda chora, mas há de tornar-se homem. E homem emparelhado, ombro a ombro, com os dois ou três que por acaso estiverem fazendo o mesmo caminho.

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Dê uma olhadinha também no desigrejado Roger e
suas angústias.
Ou no dia do próximo passo.

14 de julho de 2011

Sapateia, minha gente

A porta do quarto abriu suave enquanto batidinhas discretas na madeira pediam permissão para entrar. O casal lá dentro olhou com estranheza como quem imagina que a visita só poderia ser um engano. Mas não era. Jaleco branco e nariz vermelho; a combinação inesperada por vezes gera desconfiança. Mas o sorriso debaixo do nariz desfaz o receio.
– Posso entrar?
– Claro – vem a resposta ainda um pouquinho reticente, mas agora só pela curiosidade.

E começa a conversa. O senhor L.B. não anda muito animado não. Passou um pouco dos sessenta anos e não teve vida fácil. Já começa contando sua história, suas dores e desilusões. O tanto que teve e que se esvaiu pelos vãos dos dedos. O quase nada que sobrou. A dor das tantas perdas. O tempo no hospital vem se arrastando miseravelmente e a previsão de voltar pra casa ainda não apareceu no horizonte.
– Mas volto logo! Não quero mais ficar aqui não - afirmou sem muita convicção. 
– Tudo bem, L.B., mas enquanto isso, vamos brincar? O senhor gosta de cantar?

E entra uma música, duas, três. Só no gogó mesmo, com os refrões acompanhados pela mágica cornetinha de plástico. Coisa antiga. Serestas e caipiras. O casal canta junto e as canções parecem soprar memórias e as memórias trazem sempre sentimentos. Depois da terceira música, L.B. olha direto nos olhos que ladeiam o nariz vermelho. E olha sério, e com os olhos pede um pouco de atenção. Depois de longa pausa, comenta:
– Lindas as letras dessas músicas, não?
– Também acho. As antigas são as melhores...
– Sabe que fui poeta? – escapa a pergunta reticente, como quem teve que, antes de questionar, encher o peito de ar na busca de uma confiança que há muito já se fora.
– Faz muito tempo que não escrevo nada. Quase ninguém hoje sabe que um dia escrevi. É coisa antiga, de um tempo que já se foi – e enquanto fala já desvia o olho e fixa em um canto do rodapé do quarto.
– Um poeta? Um poeta de verdade? – pergunta o palhaço de jaleco. – Quero ver. Quero ouvir. Sabe alguma de cor? – e insiste tanto e de forma tão enfática que os olhos de L.B. levantam-se de novo e encontram novamente os olhos do doutor de nariz vermelho.
– Acho que lembro de um poeminha...

Quando a saudade vem
A gente chora
Sapateia minha gente
Aproveita a mocidade...
Que depois vem a velhice
E a velhice traz saudade

"Engraçado que o poema não parece de um tempo que já foi", pensa o palhaço, "parece mesmo é que foi feito no leito do hospital, que o poeta lá dentro nunca parou". O poema veio fraquinho, desconfiado e molhado, mas encheu o rosto do palhaço de sorriso incontrolável, também umedecido, mas feliz.
– É lindo L.B. É lindo! Foi poeta? Foi? Não senhor. Um dia poeta sempre poeta. Você é um poeta, L.B., e é uma honra conhecê-lo. Peraí, deixa eu anotar esse aí.

O tempo já havia corrido demais e, depois do poema, foi preciso um abraço. E a despedida ao som de "Asa Branca", do Gonzagão, a três vozes; poeta, esposa e palhaço.

Em casa, o homem do nariz vermelho não para de pensar no poeminha e no poeta. Resolve montar o texto bem bacana no computador, faz uma dedicatória, imprime, compra uma moldura e faz um quadro. No dia seguinte vai até o hospital, bate suave na porta do mesmo quarto e quando entra já é recebido com um grito:
– Meu amigo palhaço!
– Vim aqui atrás de um grande poeta. Ontem ele me fez um bem danado com sua poesia e seu carinho. Hoje quero retribuir com um presente.
O quadro é entregue nas mãos do poeta, e presente vira abraço, abraço enorme, demorado e apertado.

Dois anos já passaram e os dois nunca mais se viram. Mas na memória do homem de nariz vermelho está marcado para sempre o inesperado encontro entre palhaço e poeta.

11 de julho de 2011

Emmanuel

CÁNTICO Nº 53 DO HINÁRIO DA TRILHA

Seria primavera feliz...
Se a luz dos homens
Fosse emmanuel



Emmanuel
De Michel Colombier e Murilo Antunes
Por Flávio Venturini e Milton Nascimento

Eu não tenho asas pra voar
Nem sonho nada que não seja de sonhar
Sou um homem simples que nasceu
Das entranhas de um ato de amor

Seria primavera feliz
Se a voz dos homens entoasse a paz
Se o dom dos homens fosse a arte de amar
Se a luz dos homens
Fosse emmanuel


♫ Conheça as outras músicas do Hinário da Trilha.

7 de julho de 2011

Ratos



Nada afasta de mim a convicção de que o homem era muito mais homem antes de inventarem o controle remoto e o ar-condicionado. Fomos criados para o desconforto.

O luxo, a sofisticação, a tecnologia, os sofás, as almofadas, os carros, as poltronas anatômicas, o isolamento térmico e acústico, a tintura para cabelo e a escada rolante são elementos importantíssimos na metamorfose terrível que nos transformou em ratos.

Haverá de chegar o dia em que, olhando para o espelho, perceberemos os pelos grossos e duros que tomaram conta de nosso corpo e nos assustaremos com a cauda pelada balançando atrás de nós enquanto corremos pelos cantos escuros e levamos a vida enfurnados em nossos buraquinhos climatizados.

Nesse dia teremos uma lembrança vaga e embaçada de que o homem um dia sentiu calor insuportável, e suou até exalar o cheiro forte de gente. Que houve também o frio e a pele rachada pelo ar seco. Que se ia a muitos lugares à pé. Que se dormia no chão ou no colchão de palha de uma hospedaria de madeira velha e se acordava com a orelha cheia de pó de cupim. E que distâncias longas demais eram cobertas em carros com manivelas para abrir o vidro, ou ainda no lombo de cavalos ou mulas e que as pernas assavam e o suor do animal se misturava com o nosso.

Haveremos de lembrar que os cabelos das mulheres tornavam-se brancos, sua pele enrugava e os seios cansavam-se de manter a pose e elas eram lindas assim.

Lembraremos que as crianças corriam soltas pelas ruas, rolavam na grama e na lama, tinham várias cicatrizes e marcas de todas as cores nas pernas e joelhos e cotovelos.

Mas estaremos tão acostumados com o conforto absurdo que nos cerca que tudo nos parecerá pura fantasia. E mesmo que sejamos avisados que nossos confortos estão nos matando de câncer ou dando um fim em todas as abelhas do planeta (e, consequentemente, em todo ecosistema), não abriremos mão de nada.

Até o dia em que tudo será arrancado de nós.

4 de julho de 2011

Enquanto Houver Sol

CÁNTICO Nº 52 DO HINÁRIO DA TRILHA

Quando não restar nem ilusão
Ainda há de haver esperança



Enquanto Houver Sol
Sérgio Britto (Titãs)

Quando não houver saída
Quando não houver mais solução
Ainda há de haver saída
Nenhuma idéia vale uma vida...

Quando não houver esperança
Quando não restar nem ilusão
Ainda há de haver esperança
Em cada um de nós
Algo de uma criança...

Enquanto houver sol
Enquanto houver sol
Ainda haverá
Enquanto houver sol
Enquanto houver sol...

Quando não houver caminho
Mesmo sem amor, sem direção
A sós ninguém está sozinho
É caminhando
Que se faz o caminho...

Quando não houver desejo
Quando não restar nem mesmo dor
Ainda há de haver desejo
Em cada um de nós
Aonde Deus colocou...

Enquanto houver sol
Enquanto houver sol
Ainda haverá



♫ Conheça as outras músicas do Hinário da Trilha.