30 de setembro de 2011

Delta do Mekong


- Subam! - gritou o marujo. E era o crepúsculo, o último instante, a última chance. A família A’nh vacilou, mas os Cadao deram o passo que os levou embora dali. Foram 7 dias de viagem. Primeiro pelo rio Lohtse, até a planície de Hanoy. Depois atravessaram os infinitos arrozais dos banhados até alcançar o braço do Mekong e navegar até o delta, e se foram.

- Mas o que houve com eles? Para onde foram?

- Não sei, nuca mais os vi.

- E então? Como termina a história?

- E não é assim com todas as histórias, meu amigo? Já soube de alguma que acabou? Não cruzamos diariamente com 100 mil histórias? E de quantas delas sabemos o fim? Mesmo que morra o herói ou o vilão, não tem ambos filhos e amigos e um amor, ou um ódio? História nenhuma jamais teve fim.

19 de setembro de 2011

Casa vazia

Correndo o risco de ser taxado de machista e retrógrado, quero abordar uma questão que há muito tempo vagueia no enorme vazio da minha cabeça oca.  Acompanhe o raciocínio e diga se não faz algum sentido pra você. Obviamente a opinião interessa especialmente se vier de alguém do sexo feminino.

A mulher, que por décadas lutou para ter a liberdade de fazer tudo que o homem fazia, é hoje prisioneira da obrigação de fazê-lo. Deixou de ser oprimida pelo homem, para oprimir a si mesma. Quando conquistou merecidos direitos, quando libertou-se da imagem de inferior, lançou sobre si a carga de provar que pode ser superior. Não bastou-lhe a liberdade, quis assumir o papel de seu opressor e hoje já não é difícil encontrar por aí, nos corredores de grandes corporações ou no volante de carros esportivos do ano, mulheres transfiguradas no mais canalha dos homens, desfrutando altivamente de toda arrogância e ganância que antes lamentava ver no macho.

As que não chegam tão longe, vêem-se na obrigação de pelo menos caminharem na mesma direção, sob a pena de receberem o mais humilhante de todos os rótulos: donas de casa. A função que antes era menosprezada pelo homem dominante e toda sua babaquice, é hoje desprezada pela própria mulher. Assumir esse posto é a mais vergonhosa humilhação porque a mulher abraçou de corpo e alma a visão de mundo que embaçou os olhos da humanidade: só é gente quem produz, quem está inserido no mercado de trabalho, quem participa da roda viva da produção e consumo.

A igualdade da mulher permitiu-lhe submeter-se por livre e espontânea (e comemorada) vontade às exigências de um novo e cruel senhor - o mercado. Chegará o dia em que ela olhará para trás com saudades daquilo de que abriu mão. Um vislumbre desse dia, aliás, sempre chega quando o primeiro filho é deixado na creche, aos 4 meses de idade, às 7 horas da manhã, e permanece pulsando violentamente até o fim de cada dia, quando já noite a criança volta aos braços da mãe.

E agora, quem aguarda o retorno do cansado provedor no fim de cada tarde, não são mais crianças eufóricas e saudosas e o cheiro de um bolo de fubá quentinho, mas o eco de uma casa vazia, porque os provedores são todos e as crianças já não param mais em casa.

Haverá quem grite de uma cadeira nos fundos - mas a mulher precisa trabalhar para aumentar a renda da família, já que a renda de um só, na maioria dos casos, não dá conta do recado. Talvez seja bom lembrar que o excesso de mão de obra disponível hoje é um dos motivos que fez a renda individual cair. Porque há muitos profissionais à disposição, paga-se menos a cada um. Por pagar-se menos a cada um, é cada mais mais difícil um casal sobreviver com a renda de um só. É, portanto, cada vez mais imperativo que ambos trabalhem fora, o que evidentemente faz com que haja muita mão de obra disponível.

A roda gira. E que ninguém pare na frente porque ela passa por cima.

12 de setembro de 2011

O rio e o vale

Por incrível que pareça
Há beleza até no rio que enche
Que sobe descontrolado
Invade as calhas urbanas
Entra nas casas pelos vãos das portas
Empapa carpetes
Destrói pisos e móveis
Carrega junto consigo roupas e eletrodomésticos
Até que num fim de tarde de sexta
Majestosamente esparramado por toda cidade
Reflete, senhor do vale, o dourado o sol
Que surge só pra mostrar a imensidão do rio
E este anuncia solene:

Sou rio e tu és vale
Tu determinas meu caminho
Tua função é me reter
Conduzir-me até o mar
A minha é forçar passagem


E a voz ecoa nos morros pela eternidade
Como espírito vagando sobre a face das águas



Para o povo do Vale do Itajaí
Reverentemente