3 de outubro de 2013

No inferno [10]


10.

Abud se lançou cansado sobre o sofá da sala.

"Ô rapaz. Peraí. Você está todo sujo de sangue."

"Dá um tempo Zé. Você acabou de me atropelar. Estou quebrado. Tá doendo um bocado."

"E porquê não me deixou levá-lo ao hospital?"

"Deixa eu tomar um banho e a gente conversa."

A primeira reação de Zé Augusto ao ver aquele sorriso ensanguentado no chão ao lado de seu carro, foi apavorar-se. Parecia um psicopata, uma cena saída de algum filme de suspense. Pensou em entrar no carro e abandonar o corpo ali. Olhou rapidamente em volta procurando alguma testemunha mas não havia ninguém no seu raio da visão. Ligaria para emergência, mas não ficaria ali ao lado daquele doido. Chegou a entrar no carro, mas antes de bater a porta o sorriso desvairado do atropelado pareceu-lhe familiar. "Vai me deixar aqui, Zé?", perguntou o moribundo ainda estatelado no chão e sem tirar os olhos de Zé Augusto. A voz, por fim, era inegavelmente familiar. Soube que conhecia o homem, apesar de não lembrar-se exatamente de onde. Desceu novamente do carro, ajudou-o a sentar-se e buscou a toalha que usava na academia e ficava sempre no porta-malas, para estancar o sangue. Quis levá-lo ao hospital, mas o homem se recusou. "Me leva para sua casa, Zé. Me deixa ficar por lá. Você ainda não lembra de mim? Esqueceu do Abud, o cara que veio lhe resgatar do inferno?"

Inferno? Foi uma pergunta inquietante. Era um assunto familiar. Zé Augusto era um cético sarcástico, um agnóstico despreocupado. Já havia em algumas ocasiões temido a possibilidade de um dia amanhecer entre fogo e enxofre, mas tratou de convencer a si mesmo que não valia a pena levar um medo desses à sério. Permaneceu por alguns minutos parado, em pé, ao lado de Abud, vendo o homem limpar-se, estancar o sangue, arrumar a roupa.

"Vamos Zé. Me ajuda aqui."

Cuidadosamente ajudou Abud a entrar no carro, mancando e gemendo, e voltou para casa. Apesar de não lembrar exatamente de onde, sabia que conhecia aquele sujeito estranho e intuía ser alguém de confiança. Ofereceu-lhe toalhas, roupas limpas e chuveiro. Enquanto ele tomava banho saiu para o escritório deixando um bilhete na mesa da cozinha: "A geladeira está cheia. Sirva-se e descanse um pouco. Estarei de volta no fim da tarde."



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Continua...

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Um comentário:

  1. To pra te dizer isso faz um tempo. De agora não passa: da hora essa sua série "No inferno" no blog. Bem massa.

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