1 de fevereiro de 2020

Luxos, necessidades e obrigações



Tentei desancar nossa estupidez anos atrás escrevendo uns parágrafos aos quais dei o título de Ratos. Mas o Yuval Harari explicou aqui o negócio todo e nos deixou nus.

"A busca de uma vida mais fácil resultou em muitas dificuldades, e não pela última vez. Acontece conosco hoje. Quantos jovens universitários recém formados aceitam empregos exigentes em empresas importantes, prometendo que darão duro para ganhar dinheiro que lhes permitirá se aposentarem e irem atrás de seus verdadeiros interesses quando chegarem aos 35? Mas, quando chegam a essa idade, eles têm grandes hipotecas para quitar, filhos para educar, casas em zonas residenciais que necessitam pelo menos de dois carros por família e uma sensação de que a vida não vale a pena sem um bom vinho e férias caras no exterior. O que se espera que façam, voltem a arrancar raízes? Não, eles redobram seus esforços e continuam se escravizando.

Uma das poucas leis férreas da história é que os luxos tendem a se tornar necessidades e a gerar novas obrigações. Uma vez que as pessoas se acostumam a um certo luxo, elas o dão como garantido. Passam a contar com ele. Acabam por chegar a um ponto em que não podem viver sem. Tomemos outro exemplo familiar de nosso tempo. Nas últimas décadas, inventamos inúmeros instrumentos que supostamente economizam tempo e tornam a vida mais fácil – lavadoras de roupa e de louça, aspiradores de pó, telefones, aparelhos celulares, computadores, e-mail. Antes, dava muito trabalho escrever uma carta, endereçar e selar um envelope e levá-lo até o correio. Levava-se dias ou semanas, talvez até meses, para obter uma resposta. Hoje em dia eu posso escrever um e-mail às pressas, enviá-lo para o outro lado do mundo e (se meu destinatário estiver on-line) receber uma resposta um minuto depois. Economizei todo aquele trabalho e tempo, mas tenho uma vida mais tranquila?

Infelizmente, não. Antes, as pessoas só escreviam cartas quando tinham algo importante para relatar. Em vez de escrever a primeira coisa que lhes vinha à cabeça, consideravam cuidadosamente o que queriam dizer e como expressá-lo. Esperavam receber uma resposta igualmente atenciosa. A maioria das pessoas escrevia e recebia não mais de um punhado de cartas por mês e raramente se sentia compelida a responder de imediato. Hoje recebo dezenas de e-mails todos os dias, todos de pessoas que esperam uma resposta imediata. Pensamos que estávamos economizando tempo; em vez disso, colocamos a roda da vida para girar a dez vezes sua velocidade anterior e tornamos nossos dias mais ansiosos e agitados."

Yuval Harari, em Sapiens.

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