Montagem sobre A Adoração dos Pastores - Matthias Stom | Google Arts |
Não é raro que o religioso mais devoto viva na expectativa de um Deus pronto para intervir a seu favor. Ou a favor da humanidade, no caso raro de um religioso mais altruísta. A expectativa, no entanto, opõe-se à revelação de Deus no livro base da fé cristã. Já no Antigo Testamento as aparições divinas são raras exceções, ao contrário do que possa parecer. As poucas páginas que separam uma e outra das incríveis histórias do Deus que vira do avesso o destino do povo de Israel escondem, na verdade, séculos de silêncio sepulcral. As aparições do Yaweh de Israel são respingos de Deus no asfalto quente da história. Mas são respingos de um Deus todo-poderoso, onipresente, onipotente, onisciente. O típico Deusacimadetodos professado por tantos nos últimos anos. Respingos no asfalto quente, mas respingos poderosos.
Mas aí vem o Novo Testamento e o Deusacimadetodos abre mão de si e seu poder e se lança no mundo nascendo na frágil figura de um bebê, e um bebê pobre, simples e periférico. Inconsequente e irresponsavelmente Deusacimadetodos abre mão de tudo e voluntariamente se limita por espaço e tempo, lançando-se de cabeça na história. Um menino nos nasceu, e esse menino é Deus, e Deus não está mais acima de todos mas no meio de nós ou, mais precisamente, entre os bichos de um estábulo esquecido de um canto irrelevante do mundo. Deus no meio de nós, limitado por espaço e tempo.
Mas esse é ainda somente o primeiro passo do projeto divino do sumiço do Eterno.
Quando tudo já parece suficientemente improvável e perigoso, acontece algo ainda maior, uma nova e perigosíssima revelação do Eterno que não é nem o Deus crucificado nem o Deus ressurreto, mas o vertiginoso Deus disperso, o espírito do Eterno dentro de cada um de nós. A viagem do Todo-poderoso é a viagem não só da fragilização, mas do sumiço, da diluição completa, da dissolução imprudentemente irreversível. É Deus escondido em nós. O que o religioso devoto parece ainda não ter entendido, é que quando Deus decide diluir-se em nós, decide também agir através de nós. Verdadeiramente surpreendente nessa história toda, é que Ele parece ter confiado em nós. Percebeu que estávamos prontos e sussurrou em nossos ouvidos: “Vocês conseguem. Agora é com vocês”.
Ah, Deus disperso, ajuda-me a crer em mim como você crê, a vê-lo em mim como você me vê em ti. Para que eu seja aqui, aquilo que você é.
Veja também: A moita onde Deus se esconde.
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