A matéria mostra "um universo composto por tortura, incineração de corpos, chuvas de veneno, suicídios de índios, violência contra mulheres, ônibus escolares na mira de fuzis, esquema de venda de licenças, pistolagem paga por planos de manejo e tabelas de execuções".
Já ouvi dizerem que as disputas fundiárias mostram que o interior do país está em guerra, mas não é possível concordar com tal leitura dos fatos. Uma guerra pressupõe uma disputa entre dois lados onde, mesmo com alguma diferença substancial de poder de fogo, ambos sonham com a possibilidade de vencer. Os conflitos fundiários do Brasil demonstram não uma guerra, mas um genocídio onde "97% das mortes são de camponeses e indígenas".
Sem exagero. Está acontecendo agora,
debaixo do seu nariz, por pistoleiros, o extermínio de
uma nação nativa a mando de fazendeiros
uma nação nativa a mando de fazendeiros
O que não é difícil constatar, é que o Estado se coloca oficialmente contra os índios, como explicou direitinho Artionka Capiberibe, e também contra os camponeses à espera do pedaço de terra prometido na Constituição de 88 e até hoje, sistematicamente, friamente e cruelmente negado.
As 3 amigas. |
A reportagem especial sobre os conflitos fundiários é toda ela chocante, toda ela assustadora, mas para mim, pessoalmente, nada causa mais comoção do que o visível e revoltante extermínio de Guaranis Kaiowás. É isso mesmo. Sem exagero. Está acontecendo agora, debaixo do seu nariz, o extermínio de uma nação nativa por pistoleiros a mando de fazendeiros.
Já contei aqui que estive entre os kaiowás, com minha esposa e filhos. Convivi, brinquei, ouvi e contei histórias, ri e chorei com eles. Os acampamentos onde kaiowás estão agora mesmo sendo encurraladas e mortos são vizinhos da aldeia Taqwaperi, que visitei. Em cada matéria que sai sobre as ações dos fazendeiros contra esses acampamentos, leio os nomes e vejo as imagens das vítimas assustado, na expectativa de reconhecer alguém. Algumas das crianças que brincaram com meus filhos e que aparecem nas fotos que enfeitam a parede do quarto da minha filha, porque ela gosta de tê-las na memória, porque ela tem boas lembranças de suas amigas kaiowás, podem ser as próximas vítimas. Temo que sejam e temo que, se forem, eu nem mesmo fique sabendo, porque morte de índio (ou de camponês sem terra) é, no máximo, notícia de rodapé. Temo, enfim, que ninguém saiba. Temo ainda mais, que ninguém se importe. Por enquanto, tristemente, tem sido assim.
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Leia também:
Crônica Kaiowá
Terra Bruta - A reportagem completa
O Estado contra os índios
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