17 de outubro de 2007

Testemunho de morte

Temos fé num Deus que há de nos salvar. E quanto antes melhor. Aliás, é bom que seja logo, senão nossa fé balança. Desde guri que ouço os mais variados testemunhos nos mais variados tipos de reunião que as igrejas promovem. Todos, absolutamente todos, salvo engano, falam de vitória. Parece-nos que esse é nosso único motivo para testemunhar. Falamos sempre da vida melhor que temos, imaginamos ter ou, pior, fingimos ter. Enchemos o peito para falar do emprego que ganhamos, da bênção - seja lá qual for a definição que damos a ela - da saúde, da alegria, da dor de cabeça que não tomou Doriu, mas sumiu. Esse é nosso testemunho. É por essa via que tentamos convencer crentes e descrentes de que ser cristão vale a pena.


É interessante observar que o Novo Testamento registrou, na maioria das vezes, a antítese desse pensamento. O testemunho de Paulo, de maneira impensável, era de dor, perseguição, sofrimento, angústia e morte. E era um testemunho compartilhado pela a turma de Tessalônica, pelos demais apóstolos e, possivelmente, pela grande maioria dos cristãos do seu tempo. Mas o mais marcante, a provocação maior, a verdadeira pedra no sapato, é o testemunho do próprio Deus. Jesus viveu e, consequentemente, testemunhou dor, angústia, sofrimento, intemperança, pobreza, solidão, perseguição... e morte. Encarou de frente cada um dos sentimentos dos quais nós fugimos como o diabo da cruz. Aliás, quem não foge da cruz? Fugimos todos, numa correria desenfreada rumo ao conforto e a segurança. E eu vou na frente, que ninguém me segure.


O convite de salvação que nos foi feito, apesar de consumado por Cristo na cruz, delegou-nos a responsabilidade de estender a salvação ao próximo pela mesma via que o Mestre estendeu-a a nós - o sacrifício da nossa vida em favor da vida alheia. O caminho de fé que devemos seguir é o caminho de ceder nossos ouvidos, nossos abraços, nosso tempo, nossas lágrimas, nossos sorrisos, nossa casa, a quem está perto de nós, a quem está carente, a quem não tem nada a nos oferecer além da sua dor. Sorrir com os que se alegram, chorar com os que choram.


Nossa fé deveria estar direcionada não para um Deus que nos salva, mas para um Deus que salva através de nós – e apesar de nós. Através, porque somos o instrumento que deveria estar tocando a doce música do amor de Cristo por aí. Apesar, porque dependemos dele e da sua graça para segui-lo.


Os testemunhos de vitória tem sido, cada vez mais, motivo de nos afastarmos do chamado de Deus à entrega. Falta, entre os cristãos, o velho e bom testemunho de morte, que nos iguala a todos, nos coloca no mesmo barco, como irmãos, lutando todos para salvar a todos e, quem sabe, até o próprio barco.

6 comentários:

  1. Exatamente, meu caro. Falta-nos o testemunho genuinamente cristão, o testemunho do enfraquecimento do ser que implica o realmente seguir a Jesus.

    Agradeço o comentário esclarescedor e visita ao meu blog. Me interesso bastante pela teologia índia. Vamos trocar uma idéia depois.

    Abração.

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  2. Muito bom este texto! Fez-me lembrar as palavras inspiradas de Paulo dirigidas aos Coríntios:«A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. Por isso, de boa vontade antes me gloriarei nas minhas fraquezas, a fim de que repouse sobre mim o poder de Cristo.
    Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco, então é que sou forte.» II Coríntios 12; 9,10
    Abraço fraternal!

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  3. ... eu aprendo nesse lugar.
    bjus pra vc .

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  4. Que bom, Alice. Eu tb aprendo.
    Estar entre os índios foi uma das melhores coisas que me aconteceu nos últimos tempos, Alysson. Lá sim a gente aprende muita coisa.

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  5. Texto preciso!
    É a essência do cristianismo, que perdemos em 2000 mil anos de busca frenética pela doutrina certa.
    E vamos construindo ideologias que justificam nosso conforto e a opressão do próximo, ao invés do amor a ele.
    Curioso que o próprio Paulo, apóstolo da fraqueza, da derrota e da angústia, aparece comumente nos nossos estudos como o "grande apóstolo Paulo", vitorioso - o próximo depois de Cristo na hierarquia espiritual. Nada mais falso...

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