Enquanto a chuva despenca insistente sobre o teto de zinco, Dinho não consegue pregar os olhos. O som da água é como uma metralhada no paredão. Acuado, encolhido num canto da cama, tem medo de fechar os olhos e ser de novo violentado com a imagem do barranco, da madeira destroçada, dos cacos de vidro, dos clarões, da correria, dos gritos. Os olhos permanecem fixos nos brinquedos no canto do quarto. Temendo perdê-los de novo, traz, silenciosamente, todos para a cama. Deita no meio de ursos, bonecos e carrinhos. Sente falta do choro da irmã e chora baixinho por ela. Entre os brinquedos novos, que alguém de longe mandou de presente em um caminhão, está a boneca retirada dos escombros e que ele insistiu em guardar.
No meio da metralhada cruel ainda ouve o som abafado do rádio e a discussão dos pais que ficam sempre muito brabos em dia de chuva.
Fecha os olhos espremendo-os bem para pedir, com todas as suas forças, que Deus pare com esse aguaceiro, mas não consegue mantê-los fechados até o fim da oração - e a água não pára.
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Esse mês faz um ano que o céu e os montes desabaram sobre Blumenau. Há quem já tenha esquecido. Há quem jamais irá esquecer.
Ainda hoje mais de 350 famílias* estão alojadas em galpões alugados pela prefeitura, acomodando-se como podem em módulos de 25 a 37m2, entre divisórias de madeira e banheiros coletivos. Além disso, um número considerável está ainda vivendo de favor em casas de amigos e parentes. E um terceiro grupo está vivendo em casas alugadas com o 'auxílio moradia' que deve ter sua última parcela entregue às familias cadastradas agora em dezembro. Daí pra frente ninguém sabe o que será.
*alguns locais falam em 2,5 mil pessoas nos abrigos. Mas é difícil conseguir os números oficiais. A prefeitura luta com todas as forças para manter escondida sua incompetência e deixou isso mais do que claro no cancelamento do desfile de encerramento da Oktoberfest, com a nefasta intenção de abafar um protesto.
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