28 de maio de 2009

De uns tempos pra cá

Engraçado que nos últimos 12 anos acumulei um monte de coisas. Tenho carro, tenho moto e um casarão. Precisa ver o tamanho da minha casa. Chega a me dar vergonha. Um embrulho no estômago. E nem trabalhei tanto assim. Tenho uma grande ambição - gotaria de ter menos. E coisas com menos qualidade. Mas me falta coragem para tanto.

Deus me livre de amar o que acumulei.

Mas houve algo que surgiu em mim e de mim que não foi acúmulo. Algo que cresceu e cresce sem no entanto corromper. Ao contrário, algo que, crescendo, faz perceber a futilidade do acúmulo. E cresce sem crescer.

Doze anos atrás eu era um. Então tornei-me dois. Depois três. E quatro. Não cresci, mas diluí. E me vi menor em cada um. Vi quem sou e não me iludi com o que acumulei. Entendi que juntei somente alimento para traça, mas que me diluí em vida. Entendi que é dando que se recebe. O que cedi, recebi e nem posso imaginar o que ainda receberei. O que retive me corrói.

"De uns tempos pra cá
os móveis, a geladeira
o fogão, a enceradeira
a pia, o rodo, a pá
coisas que eu quis comprar
deu vontade de vender
e ficar só com você
isso de uns tempos pra cá"

Pra quem esteve comigo nos últimos 12 anos.
Com todo amor que cabe em mim.



De Uns Tempos Pra Cá
Chico César

De uns tempos pra cá
os móveis, a geladeira
o fogão, a enceradeira
a pia, o rodo, a pá
coisas que eu quis comprar
deu vontade de vender
e ficar só com você
isso de uns tempos pra cá

De uns tempos pra cá
o carro, a casa, o som
tv, vídeo, livros, bom...
o que em tese faz um lar
admito eu quis comprar
começo a me arrepender
pra ficar só com você
isso de uns tempos pra cá

Coisas são só coisas
servem só pra tropeçar
têm seu brilho no começo
mas se viro pelo avesso
são fardo pra carregar

De uns tempos pra cá
o pufe, a escrivaninha
sabe a mesa da cozinha?
lençóis, louça e o sofá
não precisa se alterar
pensei em me desfazer
pra ficar só com você
isso de uns tempos pra cá

De uns tempos pra cá
telefone, bicicleta
minhas saídas mais secretas
tô pensando em deixar
dê no que tiver que dar
seu amor me basta ter
pra ficar só com você
isso de uns tempos pra cá

Coisas são só coisas
servem só pra tropeçar
têm seu brilho no começo
mas se viro pelo avesso
são fardo pra carregar

25 de maio de 2009

Foi-se um profeta



Dia 22 de maio, 1h15 da madrugada, faleceu Zé Rodrix.

Quando ouvi Mestre Jonas, soube que não era poesia, mas profecia. Não! Não estou falando de previsões do futuro. Quase ninguém sabe disso, mas profecias tem muito mais relação com constatações do óbvio, aqui e agora (e, evidentemente, o futuro é consequencia do agora) que se passa debaixo de nossos narizes, do que de um futuro distante e informe. Acontece que, se ninguém apontar para o óbvio e gritar pra todo mundo olhar, ninguém o vê.

Dentro da Baleia a vida é tão mais fácil
Nada incomoda o silêncio e a paz de Jonas
Quando o tempo é mau a tempestade fica de fora
A baleia é mais segura que um grande navio

O terrível, o assombroso, o impensável, é que o lugar onde Jonas deveria estar era fora da baleia. Ele, o Jonas original, depois do fiasco de sua fuga patética, criou coragem, encheu o peito e pediu pra sair.

Os outros Jonas, nós, eu, curtimos mesmo é a vidinha dentro da baleia. Dentro dela temos nossas gravatas e ternos de linho.

Quem é que tem coragem de orar pra ser cuspido?

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Mestre Jonas

Dentro da baleia mora Mestre Jonas
Desde que completou a maioridade
A baleia é sua casa, sua cidade
Dentro dela guarda suas gravatas, seus ternos de linho

E ele diz que se chama Jonas, e ele diz que é um santo homem
E ele diz que mora dentro da baleia por vontade própria

E ele diz que está comprometido, e ele diz q assinou o papel
Que vai mante-lo preso dentro da baleia até o fim da vida
Até o fim da vida

Dentro da Baleia a vida é tão mais fácil
Nada incomoda o silêncio e a paz de Jonas
Quando o tempo é mau a tempestade fica de fora
A baleia é mais segura que um grande navio

E ele diz que se chama Jonas, e ele diz que é um santo homem
E ele diz que mora dentro da baleia por vontade própria

E ele diz que está comprometido, e ele diz que assinou o papel
Que vai mante-lo preso dentro da baleia até o fim da vida
Até o fim da vida, até subir pro céu

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Outras profecias de Zé Rodrix
(Descaradamente sugadas do blog do Luis Nassif)

Sá, Rodrix e Guarabyra: Sobradinho
Sá, Rodrix e Guarabyra - Primeira Canção da Estrada
Sá, Rodrix e Guarabyra com a Mão na Massa - Parte 1
Sá, Rodrix e Guarabira: Amanhece Um Outro Dia
Sá, Rodrix e Guarabyra: Viajante
Sá, Rodrix & Guarabira: Hoje Ainda é Dia de Rock
Sá, Rodrix e Guarabyra: Casa no Campo/Caçador de Mim/Espanhola
Sá, Rodrix e Guarabyra: Roque Santeiro

21 de maio de 2009

O Violino Mágico

Folheie aqui mesmo ou clique na imagem pra ver maior.
Inspirado em Sara Chang, a quem fui apresentado por Alysson Amorim.

18 de maio de 2009

Viagem [1]


Não é preciso ir tão longe como Madre Tereza. Uma viagem à casa do vizinho às vezes basta. Nos últimos anos tenho dedicado alguns miseráveis dias das minhas férias para viagens realmente dramáticas, onde tudo que borbulha como idéia e inquietação possa chegar ao ponto de arrancar lágrimas e ferir a alma, na esperança de que seja transformado, ainda que um pouquinho só. Ou, quem sabe, um pouquinho de cada vez.

Exemplos não faltam. Heinrich Harrer passou 7 anos no Tibet. O Peregrino abandonou sua vila. Frodo e Sam partiram do Condado. Bruce Waine deixou Gothan City para trás. Toda e qualquer história que vale a pena conhecer parte de uma ruptura do cotidiano, do ambiente conhecido, do lugar familiar, habitual. Parte de uma imersão, voluntária ou não, em algo que sufoque os limites da segurança.

A viagem, a ruptura, não precisa ser definitiva. O bom filho a casa torna mas, ao retornar, não será mais o mesmo que a deixou.

14 de maio de 2009

Jesus, o peripatético [2]

Se Jesus, como é inegável, foi um peripatético, não é de se admirar que Deus também o seja. Tal pai, tal filho. Mas a questão relamente importante jamais será o que Jesus foi ou o que Deus é. O fato constragedor é que, antes de partir, Jesus convocou qualquer um que o desejasse seguir a ser como ele.

A peripatetada divina, no entanto, não era nenhuma novidade. Muito antes de Cristo Deus já anunciava de forma clara, apesar de simbólica, que desejava que fossemos todos tão peripatéticos quanto seu filho veio a ser. A idéia de um tabernáculo móvel, das tendas, da ausência da figura estática do Rei em favor da figura nômade e inesperada dos juízes, sinalizava claramente que para Deus o espírito do homem, e tudo que dele derivasse, fora criado para ser livre e errante. As raízes, os fundamentos, os alicerces, as sapatas, as vigas e colunas foram e sempre serão uma antítese do pensamento original. Um anteparo ao sopro divino. Quando percebi isso passei a ver mendigos e andarilhos como profetas* que encarnam a mensagem com a ousadia que alguém civilizado e higienizado como eu jamais terá. Nosso mundinho exige conforto e segurança e ambos excluem qualquer possibilidade de liberdade.

Jesus é peripatético e nós, ao longo da história, abandonamos o "peri" tornando-nos miseravelmente patéticos.

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Veja também:
Jesus, o peripatético


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*Antes que alguém sinta-se chocado por eu considerar um mendigo profeta (ao invés dos profetas almofadinhas e prepotentes que manipulam as platéias de muitas igrejas por aí), lembremos de Jeremias andando pelado pela Palestina, ou o coitado do Oséias assumindo de boa-vontade os cornos que sua esposa lhe oferecia. Ser profeta, meus amigos, é ser louco. Não é a toa que o povo queria matar esses indesejáveis da mesma maneira que matam mendigos em Brasilia.

11 de maio de 2009

Disse e salvei a minha alma

(...) Os encaminhamentos do G-20 mantêm a acumulação do capital como o principal motor do funcionamento da economia e o mercado livre como o lugar de sua reprodução. Isso simplesmente é mais do mesmo. Não ataca as causas que levaram à crise. A crise econômico-financeira é vista fora do contexto global de crise: social, alimentária, energética, climática e ecológica. Todas estas crises são consideradas como externalidades, quer dizer, fatores que não entram na contabilidade do capital, como o deslocamento de milhões de pessoas do campo para as cidades, o desflorestamento, a contaminação do solo, do mar e do ar. Estes fatores só são tomados em consideração quando se revelam empecilho para os ganhos do capital.

Mas não há como evitar a questão ética: trata-se de uma solução que contempla a humanidade como um todo e que garante a vitalidade ao planeta Terra? Ou simplesmente se trata de salvar o sistema do capital para beneficiar os que acumulam? (...)

Tudo indica que se trata de uma crise do sistema. As duas externalidades maiores – a social e a ambiental – não ganham centralidade. Mas elas são de tal gravidade que põem em xeque as soluções propostas, possuindo somente sustentabilidade a curto e a médio prazo. Depois voltará a crise, possivelmente, sob a forma de tragédia ou de farsa (Marx).

(...) A crise ecológica não é menor. Estamos já dentro do aquecimento global, que vai ser devastador para milhões de pessoas e para a biodiversidade. E. Wilson, renomado biólogo, denunciou que a cada ano a voracidade capitalista elimina definitivamente 3.500 espécies de seres vivos. Diante deste quadro dramático, só nos resta repetir o que deixou escrito em latim o gênio da crítica ao capital: "Dixi et salvavi animam meam".

Leonardo Boff, no Jornal do Brasil. Via Pavablog.

7 de maio de 2009

2.2 trilhões

Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o problema da fome no mundo. Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta. Não sei como calcularam este número. Mas digamos que esteja subestimado. Digamos que seja o dobro. Ou o triplo.

Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo.

Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse. Não houve documentário, ONG, lobby ou pressão que resolvesse.

Mas em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia. Bancos e investidores.

Trecho de texto do Gondim.

4 de maio de 2009

Esperança de quem?

2008 foi o ano da colheita. O programa Minha Esperança Brasil alcançou em todo país mais de 340 mil almas. Mobilizou o incrível número de 53 mil igrejas. Festa evangélica. Fileiras engrossadas. Relatórios fartos, prodigiosos e vencedores. 3 horas de televisão no horário nobre. Folders, cartazes, divulgação pesada, treinamento. Investimento alto. Mobilização maciça.

"Durante dois anos todo o país foi mobilizado para aceitar este desafio, que se tornou o maior esforço evangelístico de todos os tempos." [link]

Enquanto isso, organizações como a Visão Mundial e a ATINI (e muitas outras) oferecem programas de apadrinhamento de crianças em situção de risco (e muitos outros). Onde está a esperança delas? Sumiu. Foi desviada, redirecionada. Canalizada para aquilo que, na contabilidade gospel, realmente importa. Almas. Membros.

Crianças subnutridas morrendo de fome? Infanticídio indígena? Bobagem. Vamos celebrar a mobilização de 53 mil igrejas e sabe-se lá quantos mil reais pela conquista de 340 mil almas que se transformaram em membros, engordaram nossas fileiras evangélicas e irão constar na próxima pesquisa apresentada pela Veja. Queremos nos orgulhar das estatísticas. As crianças que se virem. A gente levanta uma ofertinha pra elas num final de semana qualquer.

No fim, sabemos que nenhuma ONG cristã teria condições de investir o volume de dinheiro que foi investido nessa campanha de almas. Não averia adesão. Quantas igrejas iriam se envolver num programa para alimentar crianças? Que bobagem mais mundana.

Almas! É disso que nos alimentamos. Aliás. Desde que se tornem membros.

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Em tempo: Sei que houve muita boa vontade por parte de muita gente bem-intencionada no Programa. Nada tenho contra pessoa nenhuma que se envolveu no projeto. O que me incomoda mesmo é a idéia por trás dele. Mesmo sabendo das boas intenções aqui e ali, não consigo ver nisso nada mais do que um tiro muito longe do alvo e que acaba dando a falsa mas muito agradável ilusão de sucesso.