3 de fevereiro de 2010

O Monstro

Depois de meses de hesitação, um dia criou coragem. Num misto de excitação e medo, olhou a face do monstro pela primeira vez.

Achava que satisfeita a curiosidade, se afastaria e tudo ficaria como sempre foi.

Ao tocar no ser misterioso, porém, foi tragado para seu interior. Mastigado, dominado, estuprado, provou o êxtase e a loucura.

Trêmulo pela fantástica e assustadora experiência, voltou para sua vida, disposto a não mais repeti-la.

O que ele ainda não sabia era que o monstro silenciosamente se instalara dentro dele. Algumas vezes adormecia, fazendo-o festejar sua libertação. E então, quando tudo parecia calmo, ele acordava. E acordava com fúria. Apossava-se de sua mente e seus membros, o levando a agir de maneira completamente insensata e absurda.

No início, os períodos de dormência eram longos, e os de insanidade curtos. Com o passar do tempo, a situação foi se invertendo. Agora ele e o monstro eram um e parecia impossível separá-los novamente. Sentia a fome da criatura. Forte, doída, desesperadora, insaciável. Existia para alimentá-la e nada mais parecia ter importância.

Meses se passaram. E então, anos. Na loucura e confusão de sua mente sem identidade, fizera coisas terríveis, inimagináveis em outros tempos. Tudo o que queria era voltar atrás. Voltar naquele dia e ignorar sua curiosidade inicial, tarefa que agora parecia tão simples. Matar o monstro era impossível, todos diziam. Mas alguns haviam conseguido dominá-lo. Seria uma luta feroz que certamente cobraria seu preço. Sem saber se teria forças para levá-la até o fim, reuniu o que tinha, gritou por socorro na esperança de que alguém viesse em sua ajuda e se lançou na direção da besta.

Dia após dia a luta prosseguiu. Parecia impossível sair vivo dela, mas aquilo a que fora reduzido não tinha muito de vida também. Quando já estava exausto e vendo o próprio sangue escorrer por inúmeros ferimentos, teve a impressão de ver a criatura ceder um passo. Foi então que percebeu que havia outros com ele. Ouviu os gritos de incentivo, compreendeu que a luta era sua, mas que muitos o apoiavam. Procurou não pensar na dor e endureceu o ataque em meio a dentes cerrados, gritos de dor e desespero, lágrimas no rosto. E lentamente, a criatura cedeu. Pela recusa dele em alimentá-la, ela enfraquecera. A dor da fome era terrível e ele a sentia como se fosse sua, mas estava funcionando.

A criatura, porém, tem uma assustadora capacidade de se manter viva. Por mais que pareça definhar, acabada e quase morta, uma única pequena porção de alimento pode fazê-la levantar-se mais forte do que era antes, como ele logo percebeu para seu desespero e vergonha.


Agora ele não mais comemora vitória. Aprendeu a duras penas que mesmo que tudo pareça calmo e resolvido, a luta não termina. Seguirá dia após dia, ao longo dos meses e anos.

Não lutar porém, não é uma opção. Não há caminho fácil. A besta se levantará outras vezes, com fúria. Tudo o que ele pode fazer é prometer-lhe que em todas as vezes, encontrará um adversário pronto para a batalha.

Mesmo que ele próprio não esteja certo disso.

6 comentários:

  1. Historia fantástica. Entendi como a construçaõs de si com nossos demonios interiores ou metáfora de esquizofrenia, de qualquer forma texto bem escrito, bom de ler, e como quem lê, lê o que quer, perdoe-me pela interpretação.

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  2. Tu tá ficando bom nisso, não?

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  3. O mais legal de ter um outro autor no mesmo blog, e que posta uma média de 1 ou 2 textos muito bem escritos por ano, é que sou sempre eu que ganho a fama! :-)

    Esse aí é do meu mano Tato. Mas não contem pra ninguém...

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  4. Tuco, retiro o que disse sobre vc;
    Tato, reitero para vc o que disse do Tuco.
    E estamos conversados!

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  5. Obrigado, amigos. Como disse a Sra. Urtigão, quem lê, lê o que quer e sua interpretação foi muito bacana.

    Mas nesse caso específico, e sem querer estragar as liberdades interpretativas, o monstro famigerado tem nome: Crack.
    Esse desgraçado dos infernos merece ser exposto...

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  6. O Tato tá escrevendo tão bem como o Tuco.

    Isso é um baita elogio, pode crer.

    É sobre Crack, mas pode ser sobre muitas outras coisas...

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