24 de novembro de 2011

O abraço de 'Cione

Foi o dia maldito em que Nanico instalou na sua própria boca um instrumento de tortura, um expansor de pálato, um monstro de metal que o deixou parecido com o Willie Wonka quando adolescente. Saiu do dentista apavorado com aquele emaranhado de ferro no céu-da-boca, decidido a ligar pro Bilico desertando da sua função. Mas a coisa era tão grotesca e prejudicava tanto a fala que imaginou que ele não ia entender nada ao telefone. Foi até o hospital pra cancelar pessoalmente mas, chegando lá, acabou criando coragem e meteu a cara. Foi até o quarto/camarim e, junto com seu parceiro Bilico, se arrumou, se coloriu, se 'narizou', se paramentou e foram os dois pra labuta.

Primeiro quarto, ninguém entendia nada que ele falava, a língua já toda machucada, babando que nem nenêm. Ficou o mais de canto que pôde, deixando o Bilico tocar o barco enquanto ele enchia balões. Saiu do quarto cansado e desanimado, quando aconteceu o milagre.

Era ainda o segundo quarto e um homem grandão, na casa dos 30 anos, mas com cabeça de criança pequena, o viu enquanto ainda estava no corredor. Sua expressão saltou rapidamente do susto à uma explosão de alegria. Boca escancarada, olhos brilhando. A moça que o acompanhava lhe disse: "- Olha quem veio te ver, 'Cione!". E ele lá, boca aberta, olho esbugalhado, congelado, olhando fixo pro rosto do Nanico, como que esperando um sinal, e bastou o desanimado Nanico dizer simplesmente: "- 'Cione! Meu amigo! Que bom te ver..." que o homem enorme, com coração de menino, abriu os braços, libertou o riso e respondeu, oferecendo seu mais caloroso abraço: "- Meu paiaço, meu paiaço, meu paiaço..."

Nanico foi lá esperando um apertão, mas não como aquele. Tente imaginar uma criança recebendo de presente, numa surpresa daquelas, o mais esperado e maravilhoso e felpudo e fofinho bicho de pelúcia do mundo. Agora imagine a criança esmagando o presente contra o peito, completamente descuidada, absolutamente apaixonada. Pois Nanico, sua boca torta, sua baba, seu falar enrolado, sua língua machucada e seu monstro de metal eram o bicho de pelúcia do 'Cione. E ele os esmagava descontroladamente feliz, borrando a pintura do rosto do ´paiaço´ com suas lágrimas sorridentes enquanto repetia baixinho no seu ouvido: "- Meu paiaço, meu paiaço..."

Depois de alguns minutos do abraço mais empolgado que recebeu na minha vida, quando 'Cione enfim soltou Nanico, o 'paiaço' percebeu emocionado que estava curado. Não na carne mas no espírito, na alma, nos sentimentos, na empolgação, no ânimo, na esperança. Nanico e Bilico cantaram, tocaram, contaram histórias e riram um bocado, mas foram interrompidos seguidas vezes pelo 'Cione abrindo os braços num sorriso frouxo e esmagando de novo seu palhaço Nanico, que a cada abraço ouvia, baixinho e suave, uma misturança de sons. No ouvido era "meu paiaço, meu paiaço, meu paiaço...", no coração "meu filho querido, por quem vivi, por quem morri, meu amado, meu amado...".


(...) Pois estive enfermo, e vocês cuidaram de mim.
Mateus 25:36

2 comentários:

  1. Todo mundo tem seu dia de "Nanico" e a necessidade, desesperada, de ser abraçado até quase sufocar por um "Cione" simples e sincero.

    ResponderExcluir
  2. Quando eu te chamava de Paiaço você não ficava feliz desse jeito...

    ResponderExcluir