28 de agosto de 2008

Reticências [1]

1. Morte

Desde pequeno aprendi a ler a bíblia como um livro de conceitos. De cada frase, versículo ou capítulo eu deveria extrair um profunda lição capaz de remodelar minha vida ou, pelo menos, meu dia. Ouvia diversas vezes a bem intencionada alegoria que dizia que esse livro santo era o ‘manual do fabricante’. Qualquer espécie de enguiço poderia ser resolvida em uma simples consulta ao manual. Algumas bíblias traziam inclusive um índice de busca rápida. Angustiado? Salmo 46. Deprimido? Romanos 8:31-39. Sem dinheiro? Salmo 37. Era (ou deveria ser) uma leitura conceitual, racional, correta, objetiva, acertada. Não me espanta o histórico de frustração das minhas inúmeras tentativas de penetrar os insondáveis segredos escondidos entre as palavras desse manual complexo e impenetrável.

Carregado suavemente por diversos sopros de diversas fontes, aos poucos fui tomando conhecimento de uma outra bíblia. Aquele pesado compêndio acadêmico de capa preta e palavras de chumbo precipitou-se do pedestal para o solo fértil do mundo dos sonhos e, ao tocá-lo, foi tragado para suas entranhas com a mesma comoção de um náufrago que encontra água doce depois de dias à deriva em alto mar.

Descobri a imprecisão, as subjetividades, as divergências e as inúmeras variações de texto nos milhares de fragmentos de manuscritos* encontrados por todos os cantos do mundo e preservados e reunidos com esforços dignos de muita honra. A intolerante ‘inerrância’ que brotava convicta das entranhas da minha origem religiosa despetalou-se como uma frágil for do campo.

E brotou diante de mim a narrativa.

[continua...]

RETICÊNCIAS
1. Morte
2. Vida
3. À luz de um abajour


  • * Existem cerca de 200.000 variantes no texto em um enorme volume de manuscritos referentes a 10.000 passagens ou palavras na Bíblia. Há diversos erros não-intencionais que resultam de problemas de cópia. Em alguns lugares falta uma letra, em outros se pula uma linha inteira ou troca-se letras parecidas (exemplos em Geisler & Nix 1997, 173). Às vezes, o escriba incluía as notas ou comentários nas margens como partes do texto. Em alguns casos não sabemos se havia intenção de mudar o texto ou não (1 Jo 5:7) (Geisler & Nix 1997, 172-74). Existem também variações intencionais para conformar o texto a uma escola de escribas, padronizar a utilização no culto ou eliminar diferenças doutrinárias introduzidas (1 Jo 5:7; Mc 16:9-20). Essas diferenças entre manuscritos não é coisa recente. Orígenes já se referia às grandes diferenças entre os manuscritos a ponto de dizer que talvez todos os textos da época haviam sido corrompidos (Metzger 1992, 152). (FONTE: Introdução à hermenêutica para Pós Graduação em Teologia Prática da Faculdade Fidelis. De Arthur W. Dück).

5 comentários:

  1. Bom, muito bom! Que venha o "2" com "A narrativa". Tô esperando...

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  2. a paz irmão!!!
    gostei muito do blog!!!
    parabéns!!!

    www.RedeVoxDei.blogspot.com

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  3. Parabéns! Você matou JESUS!

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  4. Valeu gente. V.Carlos, vc sabe que não fui eu...

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  5. A própria Bíblia quem me ensinou ainda meninote que para nascer verdadeiramente é preciso primeiro morrer.

    Agora você me ensina que essa máxima também vale para ela, a Bíblia.

    Obrigado.

    E um abraço.

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