8 de dezembro de 2011

A moita onde Deus se esconde

No desenrolar do tocante livro de Enio R. Mueller (Caminho de Reconciliação - a mensagem da bíblia | editora Grafar), o autor vai descortinando aos poucos aquela que é a desconcertante forma que Deus parece ter escolhido para revelar-se através daquilo que viria a ser conhecido como Bíblia.
[ No velho testamento ] Uma análise atenta do movimento geral da narrativa bíblica mostra um gradual desaparecimento de Deus. No Sinai, Moisés ainda vê Deus face a face, embora seja o único a quem é dado este privilégio, e ainda que tenhamos que pensar na nuvem que envolve Deus neste encontro. Mais adiante, Deus diz a Moisés que ocultará o seu rosto; como vimos Moisés só pode ver Deus pelas costas. A última alusão, na narrativa bíblica, de que Deus tenha se revelado a um ser humano foi com Samuel (1Sm 3.21). A última vez em que é dito que Deus "aparece" a um ser humano foi com Salomão (1Rs 9.2). O último milagre público é registrado em 1 Reis 18-19, onde Deus também não aparece a Elias, a não ser na brisa leve que sopra. O último milagre particular é registrado em 2 Reis 20:1-11, com o caso da sombra que muda de lugar diante de Isaías e Ezequias. Por fim, no livro de Ester, já no pós-exílio, Deus não é mencionado sequer uma vez.

(...)

[ Na vinda do messias ]
A necessidade de uma revelação especial para perceber que aquele era o Messias [não foi carne nem sangue que te revelou...], deve levar a pensar. Sua manifestação era ao mesmo tempo sua ocultação. Vários elementos o sugerem. Seus pais ainda não eram formalmente casados. Em sua genealogia são mencionadas quatro mulheres de reputação duvidosa. E quem imaginaria o rei messiânico nascendo numa estrebaria? "De Nazaré pode sair alguma coisa boa?", chegou a se perguntar um potencial discípulo (Jo 1.46). E de que serve um messias morto numa cruz?

(...)

[ No surgimento do Espírito Santo ]
  Deus revelado num ser humano é o lugar em que Deus melhor pode se esconder. A vinda de Deus no Espírito representa uma radical ocultação de Deus. Agora Ele se esconde nos subterrâneos do nosso espírito.

O esvaziamento, a ocultação, a dissolução de Deus em algo cada vez menos palpável, observável e analisável evidencia-se ainda de forma definitivamente assombrosa quando nos lembramos que o mandamento do Deus 'escondido' em Cristo é de que nós, que somos agora a derradeira moita onde Deus se oculta, devemos nos dissolver como sal que se dispersa e some para temperar.

Quando "Deus" está em evidência, e parece ser esse o sonho de todos os cristãos na sua correria por visibilidade, representatividade, milagre, poder e glória, é certamente de um outro deus que estamos falando, que não o Deus da Bíblia. O Deus revelado no imprevisível e cativante livro sagrado, está disperso, escondido, diluído e desaparecido, epecialmente nos cantos onde menos se espera.

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Veja também:
No olho de quem olha
Em todos os cantos

3 comentários:

  1. Rapaz, me senti tocado por esse texto, obrigado.

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  2. Acabo de ler, no número 332 da revista Ultimato, que em novembro ocorreu uma reunião em Brasília da ACEB (Aliança Cristã Evangélica Brasileira). Este fato me parece a negação da proposta do autor deste texto... não é?

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  3. De nada Enio. Eu que agradeço por ter lido :).

    Rubinho, não sei exatamente o que propõe a tal ACEB. Já ouvi falar sobre 'representatividade do povo evangélico'. Se é isso, considero uma lástima. Mas inda acho que existe uma possibilidade de viabilizar uma instituição. Só que é difícil. Normalmente perde-se um tempo danado e a parada toma outros rumos um tanto quanto indesejáveis. Torço pra que não seja o caso. No fim, acho muito melhor que cada um represente a si mesmo.

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