31 de outubro de 2011

Motivo

Tem gente que foge do choro
Quer viver a vida na boa
Eu já não consigo mais
Ouço um choro, corro atrás
E choro junto
Um choro que escorre à toa

Se querem saber o motivo
Da dor que fustiga a pessoa
Eu já mudo de assunto
Pois uma lágrima que faz
Chorar sem saber porquê
É choro compadecido
De lágrima companheira
Rola aqui como pinga lá
O porquê outra hora se vê

27 de outubro de 2011

Megafone

Absurdamente equivocado
Amalucado em sua vertente
De pensamento desconjuntado
Sobe no banco da praça
E megafonicamente
Despeja no transeunte
Seu ódio acorrentado
Religiosamente disfarçado
Como um cristão penitente
Sem jamais haver assimilado
Do mestre, sua semente
De amor e perdão despejado
A todos graciosamente


Humildemente dedicado ao pregador das ruas de
Blumenau e seu incansável intragável megafone
instrumento de condenação compulsória de almas.

26 de outubro de 2011

Belo Monte

Em 1989, após passar por 21 anos de ditadura militar, o Brasil se preparava para as primeiras eleições diretas para presidente desde 1960. Cerca de três mil pessoas se reuniram na cidade de Altamira, no Pará, para participar do I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, um marco democrático da luta em defesa da Amazônia. Quando o então presidente da Eletronorte apresentou as intenções do Governo de construir a mega-usina hidrelétrica de Kararaô, na Volta Grande do rio Xingu, a índia Tuíra se aproximou da mesa e, em um gesto emblemático, encostou o facão nas faces do “homem branco”. A imagem correu o mundo, e sua força e dramaticidade serviram para disseminar o grito de indignação dos indígenas contra as intenções de governantes e empresários de construir um complexo hidrelétrico em uma das regiões de maior biodiversidade da Amazônia.

Tuíra e Muniz Lopes, então presidente da Eletronorte


Há poucos anos, seria difícil imaginar que aquele projeto, desenvolvido quando vivíamos páginas infelizes de nossa História e praticamente sepultado durante o processo de redemocratização do país, seria ressuscitado com outro nome: Belo Monte. Pior: que, justamente em um momento de afirmação e consolidação de nossas conquistas democráticas, este projeto seria imposto de forma autoritária, desrespeitando a vontade dos povos da Amazônia, violando a legislação brasileira e ignorando tratados e mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos.

Surrupiado de global.org.br
Via @rondinellysm

A Rio+20 já está em pauta na mídia, mas o evento estará às sombras do Novo Código (des)Florestal, e do rasgo enorme da Belo Monte no coração da Amazônia. Triste.

24 de outubro de 2011

Quando a chuva vem

 CÁNTICO Nº 55 DO HINÁRIO DA TRILHA

Chorar, sorrir também e depois dançar
Dançar na chuva quando a chuva vem



Felicidade
Marcelo Jeneci e Chico César

Haverá um dia em que você não haverá de ser feliz
Sem tirar o ar, sem se mexer, sem desejar como antes sempre quis
Você vai rir, sem perceber, felicidade é só questão de ser
Quando chover, deixar molhar pra receber o sol quando voltar

Lembrará os dias que você deixou passar sem ver a luz
Se chorar, chorar é vão porque os dias vão pra nunca mais

Melhor viver, meu bem, pois há um lugar em que o sol brilha pra você
Chorar, sorrir também e depois dançar, na chuva quando a chuva vem
Melhor viver, meu bem, pois há um lugar em que o sol brilha pra você
Chorar, sorrir também e dançar. Dançar na chuva quando a chuva vem

Tem vez que as coisas pesam mais do que a gente acha que pode aguentar
Nessa hora fique firme, pois tudo isso logo vai passar

Você vai rir, sem perceber, felicidade é só questão de ser
Quando chover, deixar molhar pra receber o sol quando voltar


♫ Conheça as outras músicas do Hinário da Trilha.

20 de outubro de 2011

Quem canta...

O cara vivia pra cantar. Não é a tou que ganhou o apelido de Ed Mota. Cantava desde guri, o tempo todo, em todo lugar. Era a alegria da família nas festas. O apelido só veio na faculdade, quando venceu por três anos seguidos o festival da canção. Inscreveu-se todos os anos no "Idolos", mas nunca foi chamado sequer para a seleção. Arrumou um emprego qualquer num escritório qualquer e seguiu alimentando a esperança de cantar para multidões. E conseguiu da forma mais inusitada. Convidado por um amigo, foi prar no culto de uma igreja evangélica, e viu no palco uma banda com um vocalista bem intencionado, mas que não chegava aos seus pés. E viu o público, a platéia, em estado de êxtase, olhos fechados, braços erguidos, alguns chorando, embalados todos pelo sonzinho sem sal da banda e pela voz fraquinha do cantor. Pois Ed sentiu como se um raio de luz dessesse sobre ele, uma revelação, uma profecia sussurrada, uma epifania. Encontrara por fim o seu lugar, um motivo para viver, um objetivo para perseguir, um lugar prar brilhar.

Antes do fim daquele mesmo ano, Ed já estava lá. Braços erguidos, cantando Deus, Jesus, aleluias e glórias... e era a glória. Gravou CDs e fez shows por todo Brasil. E a multidão o ouvia e gritava e chorava. E não havia Cristo que fizesse Ed faltar um culto, um retiro, um encontro de adoração, um congresso.

17 de outubro de 2011

O Luxo

"O luxo é a manifestação da riqueza grosseira que quer impressionar quem permaneceu pobre. É a manifestação da importância que se dá à exterioridade e revela a falta de interesse por tudo que seja elevação cultural. É o triunfo da aparência sobre a substância.

O luxo é uma necessidade para muitas pessoas que querem ter um sentimento de domínio sobre os outros. Mas os outros, se são pessoas civilizadas, sabem que o luxo é fingimento; se são ignorantes, admiram e talvez até invejem os que vivem no luxo. Mas a quem interessa a admiração dos ignorantes? Aos estúpidos, talvez.

O luxo é, de fato, uma manifestação de estupidez. Por exemplo, para que servem torneiras de ouro, se delas sai uma água contaminada? Não será mais inteligente, com o mesmo dinheiro, mandar pôr um filtro de água e ter torneiras normais? O luxo é, pois, o uso errado de materiais dispendiosos sem melhoria das funções. É, portanto, uma estupidez.

Naturalmente, o luxo está ligado à arrogância e ao domínio sobre os outros. Está ligado a um falso sentido de autoridade...

No passado, um cretino sentado num enorme trono podia, talvez, impressionar, mas hoje, e sobretudo amanhã, espera-se que não seja mais assim. Desaparecerão os tronos e as poltronas de luxo para os dirigentes impostos, os móveis especiais para os chefes, as grandes cadeiras luxuosas colocadas em estrados de mogno, os ornamentos, as hierarquias e tudo o que servia para impressionar. Em suma, quero dizer que o luxo não é uma questão de design."





Bruno Munari, designer, em seu livro "Das Coisas Nascem Coisas".

Pés cansados

Ouço a batida sem ritmo
Dos pés que cansados
Conduzem o corpo
Que o tempo arcou

Vejo a poeira que sobe
Do passo arrastado
Empasta no rosto
Que o choro molhou

E o homem faz sua jornada
Passos pesados, mas fortes
A espera de um descanso
Não precisa muita coisa
Só comida, abrigo e abraço

Mas leva sozinho seu passo
Pois não há quem ofereça
Na correnteza remanso
No sofrimento uma sorte
Em pleno naufrágio, jangada

E segue a batida sem ritmo
Dos pés calejados
Do corpo surrado
Que um dia sonhou

E saiu na poeira da estrada
Procurando esperança
Amor e morada
Mas nada encontrou

13 de outubro de 2011

Ônibus

Nilton saiu atrasado de casa e perdeu o ônibus no ponto. Consequentemente perderia o ônibus no terminal do Morro e o outro no terminal do Açude. Chegaria pelo meno 40 minutos atrasado e levaria uma mijada daquelas. Mijada por mijada, preferiu voltar pra casa e fazer a bronca valer a pena. Se esparramou no sofá e pegou aquele livro surrado que pegara pra ler há meses e não passara do primeiro capítulo. E leu. O dia inteiro esparramado no sofá, devorou o livro  como que devora uma picanha suculenta. Era a história de um rapaz que, cansado da rotina do trabalho, botou a mochila nas costas e saiu andando por aí. E fez de tudo. Uma aventura atrás da outra.

Nilton fechou o livro e pensou que depois dos 40, um homem já não tem mais condições de botar uma mochila nas costas e abandonar o mundo dos normais. Pois foi num salto que saiu do sofá e gritou para as baratas e traças que ziguezagueavam pela casa mal cuidada:

- Tem sim!

Na mesma noite saiu de casa e tomou um rumo qualquer. E acabou atravessando o Brasil inteiro, de leste a oeste, e os Andes de norte a sul. E cruzou o Atlânticco como clandestino em navio de carga e vagou pela África, cruzou o oriente médio, Índia, China e Rússia, onde encontrou um grupo de traficantes de armas montados em elefantes brancos e, quando estava para ser morto pelo grupo que se sentiu ameaçado, voltou voando pra casa, direto pro sofá, e acordou assustado com o despertador, derrubando o livro no chão. Tinha que correr. Não podia se dar ao luxo de perder o ônibus 2 dias seguidos.

10 de outubro de 2011

No olho de quem olha

Vi o belo no miserável
O roto, maltrapilho e desconjuntado
Também possui olhos que brilham
E um sorriso desdentado
Derrama alegria na alma
De quem sabe que a beleza está muito além
Da simetria das faces

Vi o belo no velho
Rosto murcho e cabelo acinzentado
Com uma história em cada ruga
E ai de quem se dispuser a ouvi-las
Será lindo de fazer chorar
E saberá que a beleza também
É muito mais que juventude

Vi o belo no feio
E percebi então que nem feio era
E vi beleza espalhada por todo canto
Até nos becos escondidos
Que ninguém mais quer olhar
E descobri que a feiura
Está no olho de quem olha

E só havia beleza
Em todo canto que eu olhava
Até no espelho pude vê-la
E desde então é o que peço
Que eu veja sempre primavera
E a beleza encha meus olhos
Onde menos se espera


Publicado primeiro no interessantíssimo SobrePensar

Ler me faz ficar feliz

[ Clique na imagem para ampliar ]

Quando me mostraram a capa do caderno Santa na Escola desse fim de semana, também fiquei feliz.

Literatura: O violino Mágico
Ler me faz ficar feliz.


Você pode fazer o teste e ver se por acaso também fica feliz lendo o O Violino Mágico aqui.

6 de outubro de 2011

Anjos


Frequentemente, e cada vez mais, lembro do Rubem Braga e a conversa que teve com a menina no avião, que queria saber se havia anjos no céu:

"- Tem anjo sim. Mas tem muito pouco. Até agora  desde que saímos só vi um, e assim mesmo de longe. Hoje em dia há poucos anjos no céu. Parece que se assustam com os aviões. Nessas nuvem maiores nunca se encontra nenhum. Você deve procurar mas nuvenzinhas pequenas, que ficam separadas umas das outras; é nelas que os anjos gostam de brincar. Eles voam de uma para outra.

A menina quis saber de que cor eram as asas dos anjos, e de que tamanho eles eram. O homem explicou que os anjos tinham asas da mesma cor que aquele vestidinho da menina; e eram do seu tamanho. Ela começou a duvidar novamente, mas chamamos o comisário de bordo. Ele confirmou a existência dos anjos com a autoridade de seu ofício; era impossível duvidar da palavra do comissário de bordo, que usa uniforme e voa todo dia para um lado e outro, e além disso ele tinha um argumento impressionante: "Então você não sabia que tem anjos no céu?" E perguntou se ela tinha vontade de ser anjo.

- Não.

- Que é que você quer ser?

- Aeromoça.

E começou a nos servir biscoitos; dois passageiros que estavam cochilando acordaram assustados porque ela apertou o botão que faz descer as poltronas; mas depois riram e aceitaram os biscoitos.

- A Baía de Guanabara!

Começamos a descer. E quando o avião tocava o solo, naquele instante de leve tensão nervosa, ela se libertou do cinto e gritou alegremente: - Agora tudo vai explodir! - E disse que queria sair primeiro porque estava com muita pressa, para ver as horas na torre do edifício ali perto: pois já sabia ver as horas.

Não deviam ter lhe ensinado isso. Ela já sabe tanta coisa! As horas se juntam, fazem os dias, fazem os anos, e tudo vai passando, e os anjos depois não existem mais, nem no céu, nem na terra."



Rubem Braga, agosto de 1953
50 Crônicas Escolhidas

5 de outubro de 2011

Noivas do Cordeiro

Senhoras e senhores, a desconcertante saga das Noivas do Cordeiro.
45 minutos do mais singelo assombro.


Documentário exibido no GNT.

"Não é possível ter que passar tanto trabalho pra ir pro céu. Será que precisa mesmo tudo isso?"

"A gente foi mudando a cabeça e largou a igreja."

"Aqui tudo que é produzido é pro consumo de todos."

"Não tem briga, não tem inimizade, o que é de um é ddo outro."

"[As crianças] todo mundo ajuda a cuidar."

"Ninguém tem nada e todo mundo tem tudo."

"Primeira coisa que eu penso é amar meus amigos porque são todos minha família, independente de sangue."

"Ninguém tem mais do que ninguém."

E muito mais...

3 de outubro de 2011

Encontro casual

Eram duas vidas completamente diferentes. Duas histórias distintas, incompatíveis, não fosse terem casualmente se encontrado numa noite chuvosa.

Ele, de família rica, estudou nos mais caros colégios particulares até entrar para a Universidade Federal.

Ela, de família pobre, estudou sempre em escolas públicas de periferia até conseguir uma vaga numa faculdade particular, com o curso financiado, meia-bolsa, e ralando para pagar as mensalidades.

Ele nunca trabalhou e já conhecia a Europa e os EUA, passou uma semana na Patagônia e viajou pelas praias do Nordeste. Passou sempre as férias na praia e os fins de semana andando a cavalo na fazenda do pai.

Ela sempre trabalhou. Primeiro em casa, lavando a louça, limpando a casa e cuidando dos irmãos. Depois na rua, vendendo frutas ou balas ou bujigangas da lojinha do chinês. Depois como diarista, babá, empacotadora de supermercado e frentista de posto de gasolina. Nunca teve férias e os finais de semana que conseguia de folga passava nos bailões do bairro.

Depois de formados, ele assumiu um cargo importante na indústria do pai e ela continuou como frentista no posto ao lado da mesma indústria. Abasteceu muitas vezes o carrão dele sem jamais imaginar o encontro que teriam naquela noite chuvosa.

Ela saindo do posto no horário de sempre, elesaindo tarde da indústria, depois de uma reunião extraordinária, regada a canapés e whisky. Ela a pé, ele em alta velocidade. Ambos desatentos. O impacto foi tão violento que o corpo dela atravessou o párabrisa e parou no banco de passageiros. Ele olhou assustado o corpo inerte e desconjuntado ao lado. Duas histórias tão distintas. Um encontro casual.