24 de novembro de 2008

O Eterno

Incríveis histórias medíocres de montanha – a série

13.

Creio que fomos feitos para voar. Não nossos corpos, mas a mente, o espírito, o interior, aquilo que realmente somos, aquilo que permanecerá no dia em que rompermos o lacre que nos separa do eterno. Ah, sim. Nesse dia voaremos como anjos, libertos das duras leis da física. Quando pousarmos, será puramente por prazer, jamais por cansaço ou necessidade. Se esse dia nos alcançar com a glória da presença daquele que nos criou, então, como definiu C. S. Lewis, toda a alegria daquele instante eterno será retroativa, e inundará de alegria todos os instantes passados. Toda dor, angústia, morte, perda, solidão, miséria e desgraça serão inundadas pela consciência da alegria eterna que se mostrará diante de nós. Mas esse dia não é hoje. Hoje estamos presos ao solo, acorrentados ao peso assombroso da gravidade. Graças à Deus, nem sempre.

Subimos o morro no meio da tarde, sob céu encoberto, com pequenos buracos de azul esbranquiçado tentando romper aquele teto cinza. O carro parou a poucos metros da suave rampa de grama que nos levaria a mergulhar no infinito. Com a mochila nas costas, caminhamos até o ponto ideal para o início do ritual.

O barulho do nylon sendo aberto, o estalar dos metais, o desenrolar das linhas e o cheiro peculiar que se desprende de todo o equipamento tornam o momento mágico. O cinza das nuvens havia engolido o mundo todo. Há nossa frente, dez metros além do nariz, somente os mistérios do infinito, do intangível, da ausência, do nada.

A brisa suave batia de frente em nossos rostos úmidos e gelados. Ouvíamos tão somente o vento, e nossa própria respiração. Havia espaço suficiente para as duas velas e estávamos dispostos em fila, já presos às linhas que sustentariam nossos corpos e soltariam longos e sutis assobios estridentes quando cortassem o ar.

No preciso instante em que o corpo projeta-se para frente, as mãos conduzindo firmes os tirantes à sua posição ideal, aquele tecido inerte que jazia sobre a relva ganha vida, infla-se, ousado, lançando-se corajosamente adiante, retesando confiante as linhas, os tirantes, posicionando-se alinhado sobre nossas cabeças e, finalmente, arrancando do solo essa casca que nos aprisiona. No instante seguinte, rimo-nos por termos alcançado uma metáfora alada do eterno. Já libertos do solo, somos impiedosamente engolidos pelo cinza infinito e úmido que nos cercava. Desaparecemos do campo de visão de todos. Atrás de nós, desaparece a origem. Adiante, mantém-se em segredo o destino. Vemos apenas um ao outro, às vezes nem isso. Mantemo-nos próximos apenas pela voz, pela troca de palavras eufóricas e solenes. O cinza nos engole e nos revela, enquanto prosseguimos firmes adiante, afastando-nos dos perigos da encosta invisível. E navegamos por longos minutos no infinito, até que, sutilmente, algumas cores começam a somar-se ao cinza.

Aos poucos, formas tornam-se reconhecíveis por rápidos momentos, antes de serem novamente engolidas pelo vazio. Então, atravessando os últimos vapores de neblina, nosso destino revela-se por inteiro diante de nós. Fazemos novamente parte do tempo e do espaço. Minutos depois estamos novamente presos ao solo, como todos os mortais.

Até o próximo vôo.

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Acompanhe:
Incríveis histórias medíocres de montanha – a série
1. Apresentação
2. O menino de asas
3. Queda livre

4. Às vezes falha
5. O Raio que o parta
6. Sopão
7. Cadê o caroço
8. Do piso ao teto
9. A chave da terra de Malboro
10. Meia lua inteira
11. Gênesis
12. Macacos me mordam
13. O Eterno

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